De
manhã é uma corrida desenfreada para ver quem chega a horas ao
emprego. Dentro dos carros, no comboio, no eléctrico, no autocarro
e, os mais atrasados, no táxi, toda a gente quer estar sentado à
secretária do seu local de trabalho quando na rádio se ouvir o
fatídico bip das nove horas da manhã. Dão-se os bons dias aos
colegas, ligam-se os computadores, abrem-se as portas e o labor
começa a todo o gás.
Até
às dez.
Às
dez da manhã é a hora da sagrada bica. O lisboeta, supersticioso
por natureza, ruma ao seu café da esquina para cumprir o ritual
diário sem o qual o dia de trabalho não poderá correr bem.
Eu e
os meus colegas também temos o nosso café da esquina. Que não fica
numa esquina. Fica no princípio da Rua da Penha de França. É o
Olha Que Dois, o café mais simpático da freguesia.
Dispostos
a socorrer todas as nossas vontades caprichosas, recebem-nos com um
sorriso honesto e tratam-nos pelo nome. Não há dia frio que não
não aqueça quando entramos a porta e cumprimentamos o Sr. Paulo, o
Sr. Ariel, o Sr. Ricardo ou o Sr. Delfim. E, antes de chegarmos à
mesa, já a máquina está a tirar a nossa bica. Nem precisamos de
pedir, eles já sabem há anos o que queremos.
Se a
Câmara Municipal de Lisboa criasse uma placa de distinção
designando “Café tipicamente alfacinha”, o Olha que Dois tinha
uma na parede. Preencheria todos os requisitos exigidos para tal.
Tem os
velhotes das redondezas sentados nas mesas a ler o Correio da Manhã.
Tem o
Correio da Manhã. E A Bola e o Record.
Tem a
televisão ligada no programa do Goucha.
Os
funcionários são doentes do Benfica, excepto o Sr. Ariel, que é do
Porto, e a clientela é maioritariamente do Sporting.
Todas
as conversas desaguam em futebol.
Tem um
cão a vaguear em frente à porta todo o dia.
São
gente de bem, que não negam comida a quem sabem que não a pode
pagar. Empregados e patrões confundem-se numa espécie de família
que nos recebe com paciência, café e gargalhadas.
Na
altura do Natal vão levar ao sitio onde trabalho Bolos-Reis gigantes
e vinho do Porto. Como se o agradecimento tivesse que ser deles. A
nós, clientes satisfeitos, sempre apressados e primorosamente
atendidos. É também no Natal que ali se vendem os melhores sonhos
de Lisboa. É vê-los chegar quentes e açucarados e desaparecer em
minutos.
O Olha
que Dois é o meu café das manhãs há mais de dez anos. Faz parte
do meu dia. Se não for lá, a minha rotina laboral, desestabiliza.
Sou como qualquer habitante desta cidade, que a meio da manhã tem
uma chávena de café quentinho à sua espera em cima do balcão do
sitio do costume. Daquele sitio onde, quando não têm troco para a
nota de vinte euros, nos dizem com toda a confiança: “Deixe estar,
paga amanhã”.
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