São 00:30 do dia 27 de Abril de
1974. Os últimos presos políticos aprisionados no Forte de Caxias são
libertados. Cá fora uma multidão de familiares, amigos e gente feliz com a revolução,
que ainda estava a aprender a caminhar, aguarda-os com cravos e povos unidos
que jamais serão vencidos em punho.
O Forte de D.Luís I, ou Forte de
Caxias, começou a ser construído em 1879. Em 1916 tornou-se numa prisão para
militares insubordinados, assaltantes de mercearias e grevistas. Normalidades à luz do regime da época. Porém,
as trevas do século XX português estavam a caminho e em 28 de Maio de 1926 era estabelecida
a Ditadura Nacional, da qual seria filha a Constituição de 1933 que instituía o
regime de hálito fascista, Estado Novo. De má memória.
Em Agosto de
1933, é criado um organismo designado por PVDE, Polícia de Vigilância e Defesa
do Estado, com a função de combater os crimes políticos e sociais e verificar a
entrada, permanência e saída de estrangeiros do território nacional e a
espionagem em colaboração com as polícias de outros países. Em 1945 é transformada
em PIDE e, na Primavera Marcelista, em 1969, toma o nome mais adocicado de
Direcção-Geral de Segurança. Tudo isto porque urgia induzir no povo português
os brandos e bons costumes e o amor à pátria d’aquém e d’além mar para que andasse
calmo e fácil de governar.
Mas há sempre
uns indisciplinados que teimam em contestar quem tão bem lhes quer e se juntam
em conspirações e reuniões a quem é necessário meter na linha. Para tal, em 1935,
entram em Caxias os primeiros presos políticos.
Caxias
tornou-se então numa prisão verdadeiramente moderna. Dizem as más-línguas que,
inspirados nos métodos de tortura da CIA, ali se aplicavam procedimentos infalíveis
para fazer com que os conspiradores revelassem com quem e como conspiravam
contra o regime. Em salas à prova de som, com paredes e tecto brancos, iluminação
artificial e forte e mobiliário com as arestas protegidas para impedir
tentativas de suicídio, os presos eram levados a confessar. Privação de sono
por dias e noites, recorrendo a barulhos metálicos, ameaças de morte dos
familiares, canecas de água gelada quando estavam quase a sucumbir ao sono, espancamentos,
eram algumas das técnicas usadas por guardas que se revezavam até à confissão
pretendida. Confissão de crimes dos quais não havia quase nunca prova material.
No fundo o desejado nem sequer era a reconhecimento do crime, mas sim a
destruição da personalidade do interrogado. Provocar nele a revolta contra si
mesmo e contra os seus valores e, ao mesmo tempo, fazer avisos ao povo. Apesar
da polícia política negar sempre as suas barbaridades para o público, deixava
passar à boca pequena detalhes de como procediam, para manter a população
quietinha no seu lugar.
Por Caxias
passaram só pessoas importantes. Pessoas fortes que se revoltaram e sofreram na
pele e no espírito as correcções de um regime de má moral e maus costumes.
Algumas mais destacadas na vida pública do que outras. Álvaro Cunhal, Francisco
Miguel Duarte, Domingos Abrantes, António Joaquim Gervásio, Francisco Louçã,
Arnaldo de Matos ou Zeca Afonso.
Na noite de
26 para 27 de Abril de 1974, depois de várias indecisões sobre quem deveria ou
não ser solto, acabaram por sair todos em liberdade. Alguns assustados ainda
por não saberem o que se passava, mas todos com os lábios em sorriso. Nas
imagens de arquivo da RTP distinguem-se algumas caras que se tornaram nossas
familiares. Muitas com bigodes farfalhudos que foram diminuindo ou
desapareceram. Dali em diante, tudo foi diferente. Faz agora 41 anos.
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