Chegaram os caracóis. As portas
dos restaurantes e tascas vão exibindo sacos de rede amarelos cheios do
bicharoco pendurados à entrada. São letreiros vivos do petisco mais aguardado
do tempo quente.
Na minha Beira Alta a malta não
acha piada nenhuma. Fala-se em caracóis e as línguas soltam-se para fora da boca
em sinal de agonia. Segue-se um sonoro “Que nojo.” e um abanar de cabeça de
incompreensão. Quando telefono à minha mãe e digo que vou comer caracóis,
nota-se sempre no “Que porcaria” que deixa escapar, um tom de voz conformado
seguido de um suspiro à andamos a criar uma filha para acabar nisto.
Mas em Lisboa não. O caracol caiu
no gosto do lisboeta. O Verão da capital não começa antes do molusco cá chegar.
E se eles se atrasam, estica-se o Inverno mais um bocadinho. É impensável
deixar o calor entrar na cidade sem que em cada montra das casas de comes e
bebes alfacinhas haja um anúncio simples e directo: há caracóis.
E é ver as travessas e os pires a
chegarem às mesas das esplanadas. Com o aroma de orégãos e cebola não há
alfacinha que não comece a salivar. E é ver as mesas cheias de cascas e
guardanapos enrodilhados. E é ver as imperiais a chegarem e a esvaziarem-se em
segundos. E é ver o pão torrado com manteiga a chegar quentinho e a ser
devorado.
E é ver quem é que é esquisito e
quem é que é corajoso. Os corajosos chupam o caracol directamente da concha. Os
esquisitos puxam com um palito, às vezes fazem uma careta de náusea, mas comem
na mesma. É que o sabor delicioso do caracol é diametralmente oposto ao seu
aspecto.
A caracolada é sempre acompanhada
com boa disposição. Nunca vi ninguém com ar pesaroso atacar um pires de
caracóis. Os amigos juntam-se à volta do pitéu e só falam de assuntos divertidos.
O caracol não é para coisas sérias. É para boas conversas regadas com cerveja e
contentamento.
Chegaram os caracóis. É altura do
tremoço e o amendoim descansarem. É altura de deixar o calor entrar nos nossos
dias. Telefonar aos amigos e dizer: Vai uma caracolada?
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