domingo, 28 de fevereiro de 2016

Indo eu. Vindo eu.


Desde o primeiro dia que pus o pé nesta cidade que sonho ir-me embora depressa. Não me interpretem mal. Adoro Lisboa como um fadista adora a saudade. Quero permanecer por cá muito tempo. Porém, como não sou de cá e tenho uma terra lá longe, quando toca a ir a casa, a distância física e temporal da viagem abate-se sobre mim e tira-me a vontade de arrancar.

Nos primeiros anos ia e vinha de autocarro. Na Carrís até ao Saldanha. Descia a Casal Ribeiro com uma mala, ainda anterior a período das rodinhas, e mergulhava no reservatório de Monóxido de Carbono que era a garagem da Rodoviária. Depois, se a saída de Lisboa fosse fluída e a A1 permitisse, em três horas e meia estava a entrar na Central de Camionagem de Viseu onde o meu pai me esperava com paciência e um sorriso.

A dada altura tomei a decisão de ir de comboio. Uma viagem de três horas sem filas de trânsito, com casa de banho e um bar que dá aquele toque de solidão romanceada ao viajante. Na estação de Santa Comba Dão lá esperava, como sempre, o meu pai. E eram só mais 30 Kms até casa.

Quando comprei o meu carro, comecei a fazer-me à A1 apetrechada de músicas para ouvir e cantarolar todo o caminho, no volume que me apetecesse. Uma cumplicidade entre mim, o rádio e a estrada. Uma cantoria de três horas.

Mas a verdade é que é sempre tempo demais. Ter a família a três horas é uma distância demasiado grande. Por isso, sempre sonhei que um dia iria de avião. Entraria num avião e, num saltinho literal, estaria lá na Beira. Um sonho com 22 anos que se tornou real na semana passada. E só quem está longe de casa pode medir o longo comprimento da minha felicidade. É que, finalmente, uns senhores de uma companhia aérea resolveram fazer aquele lugar-comum do encurtar as distâncias ter espaço para mim. A linha aérea Portimão-Bragança está a funcionar desde o princípio do ano e tem escala em Tires e em Viseu.

E que maravilhoso é o progresso quando nos leva em 45 minutos para o aconchego da casa dos pais. E como é engraçado ver que já não se justificam dois livros, uma garrafa de água, um chocolate e o Ipod para a viagem. Bastamos nós com um sorriso pateta nos lábios a olhar lá para baixo tentando identificar cidades, montanhas ou barragens. Quando aquele pequeno avião, com lotação para 15 pessoas, aterra no aeródromo de Viseu, parece que ultrapassámos a velocidade da luz. O tal saltinho.


Ir embora de Lisboa a correr foi o que sempre quis. Ir a voar, é perfeito. Mas com a rapidez que vou, também volto. E assim, para esta constante inquietude de querer estar onde não estou, há agora um novo ansiolítico no mercado. Uma cápsula veloz que actua em 45 minutos. 

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Receita de bacalhau.


Era uma vez um taberneiro que morava no Bairro Alto e por ali tinha a sua tasca. A tasca era afamada por servir verdadeiros pitéus. Por ali passavam os lisboetas famintos e até altas horas saciavam a sua gula.

Uma bela noite, com muita frequência de clientela, de tanto entra e sai e de tanta quantidade servir, chegou o momento em que pouca coisa restou na despensa. A saber: uma posta de bacalhau, ovos, um raminho de salsa e, como em todos os sítios de Portugal, alhos, cebolas e batatas.

Tendo chegado um novo grupo de comensais, logo ali se perguntou se ainda havia ceia. O taberneiro, que nunca dava parte de fraco, respondeu que sim. Que havia um prato extraordinário.

Foi para a cozinha, conversar com o avental. Que estavam numa enrascada de difícil solução. Olhou para os ingredientes que sobravam e sentiu a doce veia da inspiração a latejar. E se desfiasse o bacalhau? E logo se deixou guiar pela musa culinária. Bacalhau desfiado a alourar na caçarola com azeite, alho e cebola. Batatas a fritar. Juntou tudo e misturou-lhe os ovos batidos. Salsa por cima, para apaladar.

Nervoso, na expectativa de saber se gostariam ou não, lá levou a travessa para a mesa. E ali ficou à espera da primeira garfada. Das bocas deleitadas saíram os melhores elogios. Que prato magnífico era aquele, que nunca haviam comido?
O taberneiro, cujo nome de certeza adivinham, respondeu com vaidade: Bacalhau à Braz, meus senhores. Bacalhau à Braz.

Com alguma fantasia à mistura, a história é mais ou menos esta. O Bacalhau à Braz, ou à Brás, é hoje um tesouro da nacional culinária. Cozinha portuguesa de onde nunca tenha saído este prato, não é digna de se chamar cozinha. É a prova de que a alma nacional também se traduz naquilo que comemos. É que não conheço nenhum português que não goste de Bacalhau à Braz.

Dizem os puristas que se transformou em fast food. Que tem sido vilipendiado na sua essência, com o uso das batatas palha compradas no supermercado. Pelo atum, frango, alho francês e uma série de outras coisas à Braz que por aí se inventaram.
Mas nesta coisa da profanação, o Jamie Oliver, cometeu a heresia de, ao apresentar este prato do nosso panteão na televisão, ter juntado as batatas fritas depois dos ovos. Logo foi bombardeado por portugueses indignados. Já não bastava a esses ingleses terem ficado com o chá das cinco, iam agora mudar-nos o Braz.


Do Bairro Alto para o mundo, o Bacalhau à Braz confirma que a necessidade aguça o engenho. E que belo engenho este, alfacinha de nascença, mas um cidadão do mundo. E é sempre bom, mesmo quando um pouco adulterado. O meu favorito é o da minha mãe, que o faz com os preceitos do Braz. Só de pensar, cresce-me água na boca. Aliás, foi este o motivo de ter escolhido este tema para hoje. Aproveito e deixo aqui o recado: Mãe, no próximo sábado, vou aí jantar.