domingo, 10 de abril de 2016

O barco.


De todos os barcos que circulam no Tejo, o Cacilheiro é o que melhor lhe assenta.

O Tejo poderia ser outro rio qualquer não fossem as embarcações laranja e brancas com as bóias penduradas nos lados na sua incansável demanda de unirem as duas margens. Que os Cacilheiros já por lá andavam antes da Ponte 25 de Abril aparecer a dominar o horizonte.  Desde os primeiros anos do Século XX que são assíduos e quase sempre pontuais a cumprir a sua rota de um lado ao outro do Tejo.

O Cacilheiro, apesar de velhinho, não dá sinais de fadiga nem vacila a executar o seu ofício. Transporta diariamente milhares de pessoas. Venham ventos, tempestades e marés. Venham as ondas altas abaná-lo. Venham as Tágides embalá-lo com as suas cantigas. Venha a escuridão da noite, que o Cacilheiro há-de chegar ao Cais do Ginjal com todos os passageiros a salvo e regressar a Lisboa ao Cais das Colunas ou ao Cais do Sodré. É que não há mais marés que Cacilheiros.

E que bom que é, em dias de sol, ir ali ao cais apanhar o Cacilheiro só porque sim. Dar um pulinho à outra banda e ver Lisboa a crescer ainda mais grandiosa. Deitar os olhos à água e ela brilhar tanto que custa olhar. O rio passa a ser de prata quando a luz lhe toca. Ver o postal completo. O Terreiro do Paço, o Panteão e o Castelo. A Sé e a Igreja da Graça. A Ponte e Belém. Cabem todos numa só vista. O Cacilheiro é um miradouro.

Nas tardes preguiçosas e solarengas dos fins-de-semana, um passeio sobre o Tejo é um deslumbre para o olhar. Mas não para todos. Dentro do Cacilheiro o passageiro habitual mete a cabeça dentro do jornal, aproveita para ler o livro ou agarra-se ao telemóvel. A contrastar com o turista. Ai o turista. O turista vai de boca aberta e máquina fotográfica em punho. Ofuscados pela luz da cidade linda que se abre perante eles, soltam interjeições que soam bonito sobre o barulho de fundo do motor do barco. O turista vai em sentido perante a majestade da cidade debruçada sobre o rio.

No regresso, hão-de olhar para Lisboa outra vez. Mas se olharem para trás, verão que o outro lado também é fotogénico. O Cais do Ginjal degradado mas encantador e o Cristo-Rei a esbracejar no azul do céu. E até a grua da Lisnave fica ali tão bem a emoldurar Almada.


O Cacilheiro é um barco de luxo que Lisboa tem. De ar tosco e desajeitado, revela tesouros no seu percurso. Sobre ele se cantam fados e se escrevem poemas. Sobre ele se descobrem as feições da Lisboa iluminada pelo sol ou pela electricidade. E Lisboa agradece dando ordens ao Tejo para deixar o barquinho passar. E sempre que ele parte, pequeno mas valente sobre o rio grande, Lisboa fala baixinho da palavra saudade.

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