De todos os barcos que circulam
no Tejo, o Cacilheiro é o que melhor lhe assenta.
O Tejo poderia ser outro rio
qualquer não fossem as embarcações laranja e brancas com as bóias penduradas
nos lados na sua incansável demanda de unirem as duas margens. Que os
Cacilheiros já por lá andavam antes da Ponte 25 de Abril aparecer a dominar o
horizonte. Desde os primeiros anos do
Século XX que são assíduos e quase sempre pontuais a cumprir a sua rota de um
lado ao outro do Tejo.
O Cacilheiro, apesar de velhinho,
não dá sinais de fadiga nem vacila a executar o seu ofício. Transporta
diariamente milhares de pessoas. Venham ventos, tempestades e marés. Venham as
ondas altas abaná-lo. Venham as Tágides embalá-lo com as suas cantigas. Venha a
escuridão da noite, que o Cacilheiro há-de chegar ao Cais do Ginjal com todos
os passageiros a salvo e regressar a Lisboa ao Cais das Colunas ou ao Cais do
Sodré. É que não há mais marés que Cacilheiros.
E que bom que é, em dias de sol,
ir ali ao cais apanhar o Cacilheiro só porque sim. Dar um pulinho à outra banda
e ver Lisboa a crescer ainda mais grandiosa. Deitar os olhos à água e ela brilhar
tanto que custa olhar. O rio passa a ser de prata quando a luz lhe toca. Ver o
postal completo. O Terreiro do Paço, o Panteão e o Castelo. A Sé e a Igreja da
Graça. A Ponte e Belém. Cabem todos numa só vista. O Cacilheiro é um miradouro.
Nas tardes preguiçosas e
solarengas dos fins-de-semana, um passeio sobre o Tejo é um deslumbre para o olhar.
Mas não para todos. Dentro do Cacilheiro o passageiro habitual mete a cabeça
dentro do jornal, aproveita para ler o livro ou agarra-se ao telemóvel. A
contrastar com o turista. Ai o turista. O turista vai de boca aberta e máquina
fotográfica em punho. Ofuscados pela luz da cidade linda que se abre perante
eles, soltam interjeições que soam bonito sobre o barulho de fundo do motor do
barco. O turista vai em sentido perante a majestade da cidade debruçada sobre o
rio.
No regresso, hão-de olhar para
Lisboa outra vez. Mas se olharem para trás, verão que o outro lado também é
fotogénico. O Cais do Ginjal degradado mas encantador e o Cristo-Rei a esbracejar
no azul do céu. E até a grua da Lisnave fica ali tão bem a emoldurar Almada.
O Cacilheiro é um barco de luxo
que Lisboa tem. De ar tosco e desajeitado, revela tesouros no seu percurso.
Sobre ele se cantam fados e se escrevem poemas. Sobre ele se descobrem as
feições da Lisboa iluminada pelo sol ou pela electricidade. E Lisboa agradece
dando ordens ao Tejo para deixar o barquinho passar. E sempre que ele parte,
pequeno mas valente sobre o rio grande, Lisboa fala baixinho da palavra
saudade.
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