Corria o ano de 1137, ainda
Portugal não era Portugal, quando D. Afonso Henriques veio do Porto para
conquistar al-Ushbuna, mais conhecida nos tempos que correm por
Lisboa, aos sarracenos e espalhar a cristandade. O intento ficou-se por umas
cócegas nas muralhas do castelo, tendo que voltar para trás com as suas tropas.
Em 1140, aproveitando
a boleia de Cruzados que passavam pelo Condado Portucalense, volta a descer com
as lanças levantadas sobre a cidade. Novo fiasco o faz voltar para Norte de
cabeça baixa.
Porém, D. Afonso
Henriques, que nem com a mãe se deitava a perder, não descansou enquanto não
voltou. Em Junho de 1147, já soberano de Portugal, cercou a cidade. Com a ajuda
de Cruzados a quem o Papa dissera que conquistar a Ibéria era uma causa tão devota
como conquistar a Terra Santa, assentou acampamento à volta do castelo que
ainda não era de São Jorge. E por ali ficaram durante alguns meses fazendo
investidas sobre a fortaleza. Ora escavavam tuneis, ora projectavam pedras
durante horas a fio e até construíram uma torre móvel para encostarem à
muralha. Porém os mouros resistiam e o castelo continuava com as portas bem
fechadas a cristãos.
Entre os homens de D.
Afonso Henriques, havia um tal de Martim Moniz de bravo e valente afamado que
era casado, diziam as más-línguas, com uma filha ilegítima do rei. Diziam também
que nada temia e que a sua espada cortara já muitas cabeças mouras. No dia 21 de
Outubro, cumprindo a rotina, avançaram sobre a fortificação. Martim Moniz e os
companheiros investiam contra uma das portas. E naquele dia de prodígio a porta
cedeu e abriu o suficiente para um ombro a penetrar. Era pois o ombro de Martim
Moniz que afoito avançava e forçava a porta a franquear. Tarefa de força feroz,
mas à qual o guerreiro deu o corpo. E atravessando-se sem pestanejar no vão,
não permitiu que a porta se voltasse a fechar. Puderam os seus companheiros
entrar no castelo e reconquistar Lisboa para graça divina.
E o pobre do Martim
Moniz cedeu o corpo e a alma ao manifesto e morreu entalado na porta do
castelo. Ganha a cidade, logo D. Afonso Henriques mandou colocar uma cabeça em
mármore, réplica perfeita do herói, sobre a porta que foi sua carrasca e
chamá-la de Porta do Moniz.
Deram-lhe nomes de
ruas e de praça. A Praça do Martim Moniz está na zona de Lisboa onde hoje as
várias religiões dos alfacinhas mais se cruzam e misturam em paz. Muitos
historiadores afirmam ser só uma lenda. Em cartas escritas por cruzados que
ajudaram na conquista da cidade, não há referência à entaladela extraordinária.
Todavia eu acredito. Vislumbro nesta
história um momento decisivo para a definição da identidade nacional. O que se
augura para um país onde um dos heróis subiu ao pedestal por ficar entalado? Martim
Moniz iniciou uma ampla tradição de entaladelas. Em nome de fés, descobertas,
territórios, mercados e outras mui nobres causas o português lá vai ficando
espremido. E isto só prova que somos um
povo de valentes e que dentro de cada um de nós reverbera o espírito do Martim
Moniz que nos faz continuar e acreditar que um dia chegará em que todas as
portas se vão escancarar.
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