domingo, 23 de outubro de 2016

Martim Moniz


Corria o ano de 1137, ainda Portugal não era Portugal, quando D. Afonso Henriques veio do Porto para conquistar al-Ushbuna, mais conhecida nos tempos que correm por Lisboa, aos sarracenos e espalhar a cristandade. O intento ficou-se por umas cócegas nas muralhas do castelo, tendo que voltar para trás com as suas tropas.
Em 1140, aproveitando a boleia de Cruzados que passavam pelo Condado Portucalense, volta a descer com as lanças levantadas sobre a cidade. Novo fiasco o faz voltar para Norte de cabeça baixa.
Porém, D. Afonso Henriques, que nem com a mãe se deitava a perder, não descansou enquanto não voltou. Em Junho de 1147, já soberano de Portugal, cercou a cidade. Com a ajuda de Cruzados a quem o Papa dissera que conquistar a Ibéria era uma causa tão devota como conquistar a Terra Santa, assentou acampamento à volta do castelo que ainda não era de São Jorge. E por ali ficaram durante alguns meses fazendo investidas sobre a fortaleza. Ora escavavam tuneis, ora projectavam pedras durante horas a fio e até construíram uma torre móvel para encostarem à muralha. Porém os mouros resistiam e o castelo continuava com as portas bem fechadas a cristãos.

Entre os homens de D. Afonso Henriques, havia um tal de Martim Moniz de bravo e valente afamado que era casado, diziam as más-línguas, com uma filha ilegítima do rei. Diziam também que nada temia e que a sua espada cortara já muitas cabeças mouras. No dia 21 de Outubro, cumprindo a rotina, avançaram sobre a fortificação. Martim Moniz e os companheiros investiam contra uma das portas. E naquele dia de prodígio a porta cedeu e abriu o suficiente para um ombro a penetrar. Era pois o ombro de Martim Moniz que afoito avançava e forçava a porta a franquear. Tarefa de força feroz, mas à qual o guerreiro deu o corpo. E atravessando-se sem pestanejar no vão, não permitiu que a porta se voltasse a fechar. Puderam os seus companheiros entrar no castelo e reconquistar Lisboa para graça divina.

E o pobre do Martim Moniz cedeu o corpo e a alma ao manifesto e morreu entalado na porta do castelo. Ganha a cidade, logo D. Afonso Henriques mandou colocar uma cabeça em mármore, réplica perfeita do herói, sobre a porta que foi sua carrasca e chamá-la de Porta do Moniz.

Deram-lhe nomes de ruas e de praça. A Praça do Martim Moniz está na zona de Lisboa onde hoje as várias religiões dos alfacinhas mais se cruzam e misturam em paz. Muitos historiadores afirmam ser só uma lenda. Em cartas escritas por cruzados que ajudaram na conquista da cidade, não há referência à entaladela extraordinária.


Todavia eu acredito. Vislumbro nesta história um momento decisivo para a definição da identidade nacional. O que se augura para um país onde um dos heróis subiu ao pedestal por ficar entalado? Martim Moniz iniciou uma ampla tradição de entaladelas. Em nome de fés, descobertas, territórios, mercados e outras mui nobres causas o português lá vai ficando espremido.  E isto só prova que somos um povo de valentes e que dentro de cada um de nós reverbera o espírito do Martim Moniz que nos faz continuar e acreditar que um dia chegará em que todas as portas se vão escancarar.

Sem comentários:

Enviar um comentário