Será Lisboa perfeita? Tem boa
luz, bom tempo, belas vistas, imenso rio, belos prédios, grandiosos monumentos,
deliciosas iguarias e agradáveis gentes. Tudo em jeito de postal bonito para
enviar com vaidade a quem por cá não mora.
Porém, se olharmos para a cidade
sem o filtro do amor, vemos fotografias que não dão para fazer postais.
Caminhando pelas ruas os nossos
olhos encontram substâncias, seres e objectos abjectos que são também de
Lisboa. Lisboa não é só catita. É suja, fedorenta e também cruel.
Os caixotes do lixo transbordados,
queimados ou tombados são um clássico das tardes de domingo. A calçada suja, as
ratazanas mortas e as baratas a passear nas paredes de alguns cafés. Os parquímetros
avariados, os carros bloqueados, as passadeiras apagadas e os buracos na
estrada.
As pessoas que dormem na rua.
Os prédios arruinados, os
telhados destelhados e os azulejos arrancados. Os prédios abandonados, as paredes
com humidade, os vidros das janelas partidos. Os prédios mal pensados, os monos
atravancados como caixotes ferindo a paisagem pombalina.
As pessoas que dormem na rua.
Os maus-cheiros das ruas sujas. O
hálito do rio em dias maus, os cantos do Bairro Alto com pivete a alívios de
bexiga nocturnos, o bafo dos carros na Avenida da Liberdade.
As pessoas que dormem na rua.
As pessoas que dormem na rua,
embrulhadas em cobertores velhos e caixotes. As pessoas que dormem debaixo de
viadutos e arcadas e a quem os nossos olhares se habituaram. Abandonadas. Para
quem Lisboa é madrasta. Pessoas da fronteira mais afastada da cidade.
A cidade grande tem destas vistas
que não se mostram nos anúncios. Não é só fados e miradouros. Não é só solar e assombrosa.
A capital tem defeitos e maldades, é viciosa e desnaturada. Por outro lado são
estas imperfeições que lhe dão humanidade e verdade. Lisboa não vive no Olimpo. Lisboa é da vida
real.