As velhas nas janelas de Lisboa sabem
das coisas antes delas acontecerem.
Que o carteiro só vem lá para o
meio-dia. Que vai chover ao fim de almoço. Que a roupa da do 3.º esquerdo se
vai molhar toda. Que quando o Quim chegar a casa vai ouvir das boas. Anda numa
linda vida.
Que a da casa amarela vai viajar
para o estrangeiro. Até comprou uma mala muito jeitosa que eu vi-a a passar com
ela no domingo. Aquilo deve ter ido à Feira do Relógio. E olha que é grande.
Deve ser uma viagem demorada.
As velhas nas janelas de Lisboa passam
a noite acordadas a tomar conta da vizinhança.
Quem passou mal a noite. Quem
entrou tarde em casa. Quem vinha a cambalear.
Ai a discussão do dono da
sapataria com a mulher. Toda a santa noite. Aquilo até ferveu. Parece que ele
lhe bateu. Mas ela também não trata da casa. Nem dos miúdos. Saem de manhã para
a escola com os bigodes do leite e remelas nos olhos. E ele é que mete o
dinheiro todo. Ela não quer trabalhar. Lá para pintar as unhas e se embonecar
está sempre pronta. Essa é que é essa.
E a Teresa, aquela que mora ali à
frente, teve visita esta noite. Ele entrou tarde e saiu ainda antes do sol
nascer. Mas a mim não me escapou. Que eu bem o vi. Cá para mim é homem casado.
Aquilo é gente de pecado.
As velhas nas janelas de Lisboa
não se metem na vida de ninguém.
Que a mim não me interessam os
outros. Cada um sabe de si. Mal tenho tempo para as minhas coisinhas, quanto
mais para andar a espreitar às janelas a ver o que cada um faz. Que ele há por
aí gente que não faz outra coisa senão falar mal. E invejosas. Tu vê lá que no
outro dia, aquela ali do 4º Frente, aquela que muda de namorado como quem muda
de camisa. Sim, essa, a das cuecas estranhas no cordão. Sim, não são bem
cuecas, são uns trapos indecentes. Vê lá tu que me mandou dar uma curva só porque
eu lhe dei os Bons dias. É bom de ver que eram 3 da tarde. Aquilo não são horas
de acordar.
As velhas nas janelas de Lisboa
são património municipal.
O que seria da cidade sem elas? São
as agências noticiosas dos bairros. Verdadeiras colunas sociais que inventam
vidas para se entreterem. Sempre baseadas em factos reais. Sem elas as fachadas
dos prédios pombalinos seriam paredes silenciosas. Com chuva ou com sol, lá
estão desde que o dia nasce a enrolarem os novelos das suas vidas com fio das
novelas dos outros que urdem nos seus écrans solitários.