domingo, 17 de janeiro de 2016

As velhas nas janelas.


As velhas nas janelas de Lisboa sabem das coisas antes delas acontecerem.


Que o carteiro só vem lá para o meio-dia. Que vai chover ao fim de almoço. Que a roupa da do 3.º esquerdo se vai molhar toda. Que quando o Quim chegar a casa vai ouvir das boas. Anda numa linda vida.
Que a da casa amarela vai viajar para o estrangeiro. Até comprou uma mala muito jeitosa que eu vi-a a passar com ela no domingo. Aquilo deve ter ido à Feira do Relógio. E olha que é grande. Deve ser uma viagem demorada.

As velhas nas janelas de Lisboa passam a noite acordadas a tomar conta da vizinhança.


Quem passou mal a noite. Quem entrou tarde em casa. Quem vinha a cambalear.
Ai a discussão do dono da sapataria com a mulher. Toda a santa noite. Aquilo até ferveu. Parece que ele lhe bateu. Mas ela também não trata da casa. Nem dos miúdos. Saem de manhã para a escola com os bigodes do leite e remelas nos olhos. E ele é que mete o dinheiro todo. Ela não quer trabalhar. Lá para pintar as unhas e se embonecar está sempre pronta. Essa é que é essa.
E a Teresa, aquela que mora ali à frente, teve visita esta noite. Ele entrou tarde e saiu ainda antes do sol nascer. Mas a mim não me escapou. Que eu bem o vi. Cá para mim é homem casado. Aquilo é gente de pecado.

As velhas nas janelas de Lisboa não se metem na vida de ninguém.

Que a mim não me interessam os outros. Cada um sabe de si. Mal tenho tempo para as minhas coisinhas, quanto mais para andar a espreitar às janelas a ver o que cada um faz. Que ele há por aí gente que não faz outra coisa senão falar mal. E invejosas. Tu vê lá que no outro dia, aquela ali do 4º Frente, aquela que muda de namorado como quem muda de camisa. Sim, essa, a das cuecas estranhas no cordão. Sim, não são bem cuecas, são uns trapos indecentes. Vê lá tu que me mandou dar uma curva só porque eu lhe dei os Bons dias. É bom de ver que eram 3 da tarde. Aquilo não são horas de acordar.

As velhas nas janelas de Lisboa são património municipal.


O que seria da cidade sem elas? São as agências noticiosas dos bairros. Verdadeiras colunas sociais que inventam vidas para se entreterem. Sempre baseadas em factos reais. Sem elas as fachadas dos prédios pombalinos seriam paredes silenciosas. Com chuva ou com sol, lá estão desde que o dia nasce a enrolarem os novelos das suas vidas com fio das novelas dos outros que urdem nos seus écrans solitários.