Ao fundo da Calçada de São
Vicente, ali à porta de entrada de Alfama para quem vem da Graça, na rua, do
lado de fora do passeio, há um banco de madeira corrida. O banco é comprido,
bem aconchegadas cabem lá sentadas umas cinco pessoas de cada vez. Está preso
com corrente e aloquete a um dos pilaretes do passeio, não vá por ali passar
alguém que o cobice e não resista a levá-lo consigo. O seu posicionamento foi
decidido de acordo com leis complexas da geometria. Encostado ao passeio o
suficiente para os usufrutuários apoiarem as costas nas barras do pilarete e
com espaço bastante para se estenderem as pernas à vontade. Para que,
quando o eléctrico 28 passar, se fique à distância de um palmo.
E se os objectos tiverem alma e
coração, naquele banco bate um coração verde-alfacinha e na alma está
empedernido o fado mais castiço de Lisboa. Ali assentam arraiais as vidas do
bairro desde que a manhã nasce. E será já noite profunda e de horas impróprias
quando voltar a ficar sozinho com ar de abandonado na calçada.
De manhã chega a senhora que mora
na casa de trás. Roupa preta. Cabelos brancos. Por ali se põe a deitar
escadinhas de conversa aos moradores que passam. Bons dias para ali, despacha-te
que já deram as nove para acolá. Todos respondem. Alguns ficam. Outra senhora
senta-se só um bocadinho que daqui a nada tenho que ir comprar umas costeletas
ao talho para o almoço que hoje tenho cá a minha neta e a gente para a gente
ainda se poupa, mas para os miúdos não pode dar uma carne qualquer.
Perto da hora de almoço já se
acumulam no banco umas três senhoras e um senhor. Conversas de diz que diz que
ouviu dizer. Que aquela ali de cima tem a filha de volta a casa. Como é que
aquela gente cabe lá toda sabe Deus. Que cada vez que o genro lhe dá uma
tareia ela volta com os filhos para casa da mãe. Depois lá volta para ele até
à próxima malha. É uma vida de tristeza. E a que mora ali em cima é que é
burra, que se fosse cá comigo a coisa era diferente. Mas cada um é como cada
qual e quem sabe do convento é quem mora lá dentro.
Mal o relógio da Igreja de São
Vicente dá o meio-dia, pontualmente adiantado cinco minutos, é a debandada
geral. O banco fica só ali no meio da rua. Quem por ali passe e não conheça os
hábitos do bairro, até há-de olhar com um certo espanto para ele. Curioso da
sua finalidade.
Mas mal o horário do almoço passa
e a tarde começa, inicia-se a dança dos assentos naquele banco geoestratégico.
Dali se topam as saias curtas das meninas e se gozam as caras assustadas dos
turistas no 28 quando saem das Escolas Gerais. Olha aquele pensava que o eléctrico
não cabia na rua. Ali não faz o Medina um passeio largo. Obras aqui, nem
vê-las. Querem tudo very typical para o turista. Bela desculpa. E qualquer dia
temos que ir todos aprender línguas. Ainda há bocado passaram aí uns que deviam
ser alemães, mas como a gente não entende o que eles dizem, não os pude ajudar.
As conversas cruzam as pessoas.
As pessoas cruzam as conversas. Diálogos infinitos em que os interlocutores se
vão revezando. Às vezes sai alguém do banco para ir fazer um recado e quando
volta o assunto ainda é o mesmo.
Quando a noite cai a frequência
muda. Por ali demoram-se namoricos e cigarros solitários. Os adolescentes do bairro
param a ver as turistas bonitinhas dentro do 28. E já tarde e a más horas há-de
vir alguém pedir amparo na volta da tasca.
Um assento na via pública. Podem
as paredes de Alfama estar cheias de palavras de ordem contra o Airbnb e os
turistas. Pode o fado estar quase a ter versões em Inglês para os Camones
entenderem que saudade não é só nostalgia. Pode o 28 ser um carrossel. Mas este
banco por ali fica a marcar lugar para essa Lisboa que é alfacinha e que só
fala em Português.