Lisboeta que é lisboeta péla-se
por um peixinho fritinho com um arrozinho malandrinho. Assim tudo em diminutivos.
Quanto mais pequenininho melhor. Daqueles peixinhos que não chegam para tapar a
cova de um dente. Com nomes dados por meninos que aprenderam a falar há pouco
tempo. Ele é pilim, jaquinzinho, petinga, carapauzinho e no limite dos limites,
quase com o diagnóstico de gigantismo, pescadinhas de rabo na boca.
Comem-se de meia dentada, com
cabeça e espinha incluídas e acompanham com um arroz de tomate, de feijão ou de
grelos, imperativamente a correr pelo caldo. Uma taça de vinho e está feito um
dos repastos mais tradicionais da cidade.
Porém, estes lisboetas são uns
criativos, e, há uns séculos, quando o peixe não era para qualquer mesa,
magicaram uma alternativa mais em conta que se tornou num emblema da culinária
alfacinha. Chamam-lhe peixinhos da horta. Eu, que só os provei quando cá cheguei,
chamo-lhes um figo sempre que os apanho em alguma ementa.
De acordo com os Doze Meses de
Cozinha, uma das bíblias culinárias que há na estante da minha mãe, os peixinhos
da horta são dois feijões-verdes fritos envoltos num polme de farinha, gema de ovo,
claras em castelo, sal e pimenta. Lembro-me de ser miúda e folhear aquelas
páginas de papel de boa gramagem e fotografias apetitosas e pensar que um dia
faria aqueles tais de peixinhos da horta. Coisa que ainda não aconteceu.
E se aquele chavão que
parafraseamos do Camões dizendo que Portugal deu novos mundos ao mundo é
verdadeiro, também é incontestável que levámos novos sabores aos quatro cantos
do planeta. Dizem por aí as más-línguas, atestadas pela boa boca de Maria de Lourdes
Modesto, que no século XVI, quando chegaram os primeiros Jesuítas portugueses
ao Japão, encontraram um povo que não percebia nada de fritos. Quando chegou a
Quaresma, os missionários respeitaram o período de abstinência de carne e lá
fritaram uns jaquinzinhos e uns peixinhos da horta que deram a provar aos
japoneses. E não é que eles gostaram?
O sucesso foi tal que dali se
originou um dos pratos japoneses mais comidos no mundo. A tempura come-se hoje
em todo o lado. O nome vem da expressão latina que designa a Quaresma, ad tempora quadragesimae, que os
portugueses naquela época tinham simplificado para Têmporas. E se os japoneses
diversificaram a utilização do polme delicioso em vários outros alimentos, a
verdade é que nunca fazem tempura com carne.
Cá por Lisboa ovo e farinha só se
põem à volta do peixe. Não há cá experiências com cenouras, pimentos ou com
essas temíveis couves-flor. Refeição que é refeição dá aos vegetais o papel
secundário e deixa brilhar o peixe. Nem que seja peixinho da horta.