Lisboa, cidade coscuvilheira,
gosta de saber das vidas de quem nela pernoita. Mesmo que só por umas horas,
gosta de saber detalhes desses tais turistas que agora chegam aos molhos
enfeitiçados pela sua formosura. Todas as manhãs entra nos quartos, examina os
lençóis e tira as suas conclusões. Cada muda de roupa conta pelo menos uma
história.
As camas abertas com as roupas
para trás, revelam posições de corpos que ali estiveram em repouso. Se dormiram
enroscados ou separados. Se dormiram serenos ou alvoroçados. Se dormiram. E presumem-se
partes de vidas. Casamentos vencidos pelo peso dos anos ou empolgados pela frescura
do começo. Amizades castas, sonhos de irmãos, crianças veladas pelas mães no
seu dormir inquieto e intermitente.
As camas abertas e as janelas
ainda fechadas expõem cheiros de sonos profundos, adormecidos pelo álcool ou
por soníferos, pela tranquilidade de espírito ou pela fadiga. Noites de má-vida
que terminam num vómito na hora de deitar. Perfumes que sobraram no corpo e mergulham
no colchão. Suores quentes e frios que amargam o ar. E supõem-se aventuras
antes do sono. Jantares entre amigos que terminaram aos ziguezagues pelas ruas
de Lisboa. Corpos a dançar até o sol nascer. Perfumes que não seduziram
ninguém.
As camas abertas à pressa ou
devagar destapam gestos matinais bruscos ou calmos. Aviões quase perdidos,
reuniões que se atrasam, encontros que nunca vão acontecer. Nas mesas-de-cabeceira
esquecem-se rosas com promessas, copos de água bebidos até meio, embalagens de
comprimidos vazias e roupa interior tirada com urgência. Rituais matutinos ou
corridas matinais prevalecem no espaço como se as pessoas ainda ali estivessem.
Mudam as mudas de roupa com os
turistas. Vão para as lavandarias para branquear a altas temperaturas e serem
passadas por ferros pesados. Novos corpos deixam novas marcas e Lisboa
baralha-se com tantas biografias. Lisboa ilude-se com tantas aparências. Tantas
singularidades que parecem mas não são. Mas o algodão dos lençóis, companheiro
de cada noite e que tudo presencia, há-de guardar cada segredo até à última
noite que aconchegar.