Olá. Sou a Couve-Flor e vou escrever sobre esta Lisboa
que eu amo aqui na Cultura Grátis.
Este é o texto do clichet. Não consigo evitar. Ando há
demasiado tempo a pensar que vou escrever sobre Lisboa. Vou tentar despejar
todos os lugares comuns neste e assim poupo-vos no futuro.
Faz este mês 20 anos que cá cheguei, vinda da minha
Várzea, aldeia perdida no meio da Beira-Alta.
Eu, menina e moça.
Lisboa, mulher
sabida a quem eu não me atrevia a olhar nos olhos.
Vim para a Faculdade. Aprenderia a ser jornalista e
voltaria a correr para a casa de meus pais.
O meu pai deu-me um roteiro das ruas e um mapa da
cidade. Disse-me que andasse sempre perto de uma estação de metro para ter
sempre forma de voltar ao Rossio e, assim, não me perdia.
E foi o que fiz.
De roteiro debaixo do braço e L123 na mala andei um
ano de estação de metro em estação de metro a conhecer a cidade grande.
Sempre assustada e espantada vagueei pelas ruas,
ruelas, escadinhas, becos e avenidas grandes.
Olhos ao alto. Varandinhas, janelas grandes e
pequeninas. Roupa pendurada e flores a crescer nos telhados. Céu azul-rio.
Olhos no chão. Calçada portuguesa, beatas de cigarros
aos montes, livros em segunda-mão, echarpes da moda e garrafas bebidas e
abandonadas. Pés a passar por mim. A correr, a empurrar, a saltar em filas para
o autocarro. Todos a saberem para onde iam. E eu?
Nariz no ar. Sardinha, detergente, rio, chichi de
gato, castanha a assar, rio, carros, perfumes caros, perfumes baratos, suor,
rio. Rio.
Fui-me acalmando. Lisboa, afinal era engraçada. Cidade
de alta velocidade e novidade, modernaça e antiquada. Com a tradição numa
esquina e o sonho futurista na outra.
E se tanto estranhei no princípio, agora está
completamente entranhada em mim. Corre-me como um fado nas veias. Não me fui embora.
Mas também não fiquei verdadeiramente.
Residem em mim duas almas. A do campo e a da
metrópole. Talvez por isso continue a olhar para a capital com um olhar
admirado e ainda me enterneça diariamente com a sua beleza.
E assim me tornei numa couve-flor. Já não sou a couve
lombarda da sopa feita na panela de ferro na lareira da minha avó. Ainda não
sou a alface verdinha que desce o Chiado com o toque cosmopolita debaixo do
braço e a deixar no ar o último perfume francês.