Quando eu era pequena e passava
as tardes de domingo em casa da minha avó materna, enquanto os homens da
família se encaixavam no sofá da sala a ver as horas infinitas que duravam os
grandes prémios de Formula 1, eu preferia sentar-me num dos bancos da cozinha
ao pé dela. Ela começava cedo a preparar os seus deleitosos jantares e eu,
ainda sem primos nem irmã, ali ficava a fazer-lhe companhia. Talvez para me distrair,
talvez para reviver, relatava-me momentos da sua juventude que a minha
imaginação transformava em imagens e que ficaram comigo até hoje.
A minha avó só veio a Lisboa uma
vez na vida. Presumo que numa espécie de lua-de-mel com o meu avô, que por cá
trabalhara e conhecia bem a cidade. Ele levou-a a vários sítios. Ela contou-me
várias vezes a sua vinda à capital, as coisas estranhas que viu e os sítios por
onde andou. Não ficou com boa opinião. Mais tarde, quando vim estudar para cá comentava
muitas vezes porque é que eu ia lá para tão longe. Isso e para eu não adormecer
no comboio para não me roubarem a mala.
Dos relatos das suas aventuras em
Lisboa, a imagem mais forte que guardo é de ela a entrar num compartimento pequenino
de madeira com o meu avô. E de ela apanhar o susto da sua vida quando o
compartimento começou a mexer-se. E de me contar que, quando a porta se abriu,
estava num sítio muito alto. E de nem sequer ter vontade de ver as vistas por
tal sobressalto lhe ter causado o movimento inesperado. Um sítio do qual ela
não me disse o nome porque não se lembrava.
Passados muitos anos, vim para cá
estudar. Sôfrega de conhecer a cidade nova, fui a todos os sítios onde o L123
me transportou. De autocarro, comboio, barco, eléctrico e elevador. Quando
passei a porta do elevador de Santa Justa e me vi num compartimento de madeira
a imagem da infância tornou-se concreta. Ali era o lugar que afligira a minha
avó.
Sorrio sempre ao colosso de ferro
quando lá passo. Para mim não interessa a vista assombrosa lá de cima. Que se
veja a Baixa na sua geometria pombalina, o Tejo a fazer alongamentos até à
outra banda, o Castelo, o Rossio e as pessoas minúsculas a formigar lá em baixo.
Que seja a obra-prima daquele senhor que é resposta para queijinho no Trivial,
o Raoul Mesnier de Ponsard, que tenha mais de cem anos. Que seja mesmo muito
bonito na sua pompa de ferro fundido e filigrana, e imponente nos seus 45
metros de altura. Que seja classificado como Monumento Nacional à vontade. Para
mim será sempre a imagem da minha avó em Lisboa.
Agora que o mundo descobriu
Lisboa e que o Elevador parece a Mona Lisa no Louvre, que é impossível olhá-lo
sem as filas que vão quase até à Rua Augusta, que é um bom negócio para a Carris
e que é difícil não sermos enquadrados na foto de um turista asiático quando
por ali passamos, vou contendo sempre uma vontade de segredar aos ouvidos dos
que estão à espera cheios de entusiasmo e expectativa para a subida “A minha
avó detestou.”