domingo, 26 de fevereiro de 2017

O tal elevador.

Quando eu era pequena e passava as tardes de domingo em casa da minha avó materna, enquanto os homens da família se encaixavam no sofá da sala a ver as horas infinitas que duravam os grandes prémios de Formula 1, eu preferia sentar-me num dos bancos da cozinha ao pé dela. Ela começava cedo a preparar os seus deleitosos jantares e eu, ainda sem primos nem irmã, ali ficava a fazer-lhe companhia. Talvez para me distrair, talvez para reviver, relatava-me momentos da sua juventude que a minha imaginação transformava em imagens e que ficaram comigo até hoje.

A minha avó só veio a Lisboa uma vez na vida. Presumo que numa espécie de lua-de-mel com o meu avô, que por cá trabalhara e conhecia bem a cidade. Ele levou-a a vários sítios. Ela contou-me várias vezes a sua vinda à capital, as coisas estranhas que viu e os sítios por onde andou. Não ficou com boa opinião. Mais tarde, quando vim estudar para cá comentava muitas vezes porque é que eu ia lá para tão longe. Isso e para eu não adormecer no comboio para não me roubarem a mala.

Dos relatos das suas aventuras em Lisboa, a imagem mais forte que guardo é de ela a entrar num compartimento pequenino de madeira com o meu avô. E de ela apanhar o susto da sua vida quando o compartimento começou a mexer-se. E de me contar que, quando a porta se abriu, estava num sítio muito alto. E de nem sequer ter vontade de ver as vistas por tal sobressalto lhe ter causado o movimento inesperado. Um sítio do qual ela não me disse o nome porque não se lembrava.

Passados muitos anos, vim para cá estudar. Sôfrega de conhecer a cidade nova, fui a todos os sítios onde o L123 me transportou. De autocarro, comboio, barco, eléctrico e elevador. Quando passei a porta do elevador de Santa Justa e me vi num compartimento de madeira a imagem da infância tornou-se concreta. Ali era o lugar que afligira a minha avó.

Sorrio sempre ao colosso de ferro quando lá passo. Para mim não interessa a vista assombrosa lá de cima. Que se veja a Baixa na sua geometria pombalina, o Tejo a fazer alongamentos até à outra banda, o Castelo, o Rossio e as pessoas minúsculas a formigar lá em baixo. Que seja a obra-prima daquele senhor que é resposta para queijinho no Trivial, o Raoul Mesnier de Ponsard, que tenha mais de cem anos. Que seja mesmo muito bonito na sua pompa de ferro fundido e filigrana, e imponente nos seus 45 metros de altura. Que seja classificado como Monumento Nacional à vontade. Para mim será sempre a imagem da minha avó em Lisboa.


Agora que o mundo descobriu Lisboa e que o Elevador parece a Mona Lisa no Louvre, que é impossível olhá-lo sem as filas que vão quase até à Rua Augusta, que é um bom negócio para a Carris e que é difícil não sermos enquadrados na foto de um turista asiático quando por ali passamos, vou contendo sempre uma vontade de segredar aos ouvidos dos que estão à espera cheios de entusiasmo e expectativa para a subida “A minha avó detestou.”

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