domingo, 22 de janeiro de 2017

O flagelo.



Lisboa é cidade de temperatura amena e sol brilhante. Aqui o Inverno é mesmo para meninos e gorros e luvas são adereços de moda e não necessidades básicas. Os lisboetas são piegas com o frio. Mal as temperaturas baixam para perto dos 10 graus, enfiam os lençóis térmicos nas camas e competem entre si para ver quem tem os pés mais congelados.

Quando cá cheguei há 23 anos, passei Invernos dos infernos. Nas ruas cheias de alfacinhas enchouriçados de camisolões e casacões, lá andava eu, vestida como eles e a morrer de calor. Um dia, farta de andar sempre vermelhusca e a suar as estopinhas, resolvi assumir. Não tenho frio. Nesta cidade nunca fiquei com os pés gelados e os casacões com os camisolões fazem-me sentir febril. Nunca me hão-de apanhar com uma camisolinha polar nem com fatiotas de neve. Pelo menos aqui em Lisboa.
Porém, não foi fácil viver com a decisão. Desde então uma enxurrada de frases, daquelas candidatas a clássicas das nossas vidas, tem inundado os meus meses entre finais de Novembro e princípios de Março.
 Não tens frio? Queres que te empreste mais um casaquinho? Tu até me causas arrepios. Olha que isso não é normal, devias ir ao médico. Deves estar gelada. Podes desligar o ar frio do carro?

Por isso, quando avisaram que vinham aí dias de frio polar na capital, fiz o meu sorriso de desdém costumeiro e saí à rua como sempre. Devo aqui rezar um acto de contrição. A verdade é que fez frio. E quem ficou arrepiada ao ver um turista de calções fui eu. Lá mergulhei no fundo do armário à procura de uma camisola grossa e daquele cachecol fofinho que a minha mãe me fez.
E se eu me agasalhei, os alfacinhas embrulharam-se. Foi ver os casacos de pele e os gorros gigantes a desfilarem pelas avenidas. Circularam na Baixa pessoas calafetadas e almofadadas. Pareceu-me ver um sujeito abraçado a uma botija de água quente na Rua Augusta. Todos prontinhos para o briol que desceu sobre a cidade durante dois dias. Aqueles dois dias em que o meu frigorífico teve temperaturas mais elevadas do que as da rua.

E ao olhar para os viajantes dessa Europa fora a passearem à beira do Tejo como se fosse Primavera, vi nos rostos deles uma expressão muito familiar. Um brilhozinho de troça nos olhares de esguelha. Aquele ar que fazemos no Verão quando passam por nós a escamar as suas peles de lagosta depois de dois dias a apanhar o nosso sol.


É nestes dias, em que está cá um griso que não se pode, que eu constato que somos um dos países de maior fortuna do mundo. Podemos não ter assento na reunião do G7 e andar com frequência a contar os tostões, mas um país cuja capital fica razoavelmente ridícula vestida de roupas de Inverno é um país milionário.

2 comentários:

  1. É verdade nós os lisboetas somos mesmo friorentos e eu que o diga que apesar de ter nascido na capital vim morar aqui para Sintra brrrrr....dispenso comentários! :) Adorei o texto by the way

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