O
artigo anterior aplica-se em todo o território nacional, com excepção da região
de Lisboa, em cuja legislação em vigor se designa por “Lei dos Quatro Piscas”
Ora
experimentem circular apenas um dia pelas ruas e avenidas desta linda capital e
verão como interiorizam a Lei dos Quatro Piscas num piscar de olhos. Poderá
parecer-vos que estão a fazer os 10 000 metros com barreiras, mas não terão direito
a medalha olímpica no final.
Mal
tentamos sair do lugar de estacionamento surge a primeira barreira. Uma viatura
parada em segunda fila bloqueia a nossa saída. Estamos em cima da hora para
chegar com pontualidade ao trabalho, os segundos são preciosos, uma irritaçãozinha
sobe à nossa cabeça, prontos a buzinar desmedidamente e a verbalizar as nossas
bem-humoradas emoções matinais quando finalmente prestamos atenção. Espera aí,
este sujeito tem os quatro piscas ligado. Está com toda a legitimidade a
impedir a passagem.
Dez
minutos depois já vamos em velocidade de cruzeiro pela cidade quando numa rua
estreita de um só sentido o automobilista que segue à nossa frente interrompe a
sua marcha. Era o que faltava agora, este chico-esperto pára assim sem mais nem
porquê. Baixamos o vidro para lhe dizer das boas. Espera, ligou os quatro piscas.
Estávamos já prontos a exagerar e o senhor está dentro da lei. Vai apenas
descarregar as três cadeiras, os quatro caixotes e o arranjo floral que traz na
bagageira. Está com toda a legitimidade a impedir a passagem.
Quinze
minutos passados, chegamos por fim ao primeiro cruzamento e pretendemos virar à
esquerda. Se ao menos conseguíssemos ver se vem algum carro da direita. Mas
esta carrinha aqui estacionada, mesmo a tapar-nos a visibilidade e a
sujeitar-nos a levar com um carro em cima, está convenientemente a assinalar a licitude
da sua paragem com os quatro piscas. Vamos mesmo ter que arriscar. O que não é
tarefa fácil, pois está outro veículo aqui encostado à esquerda que dificulta a
viragem. Mas, como está com os quatro piscas devidamente ligados, temos que
aceitar.
Em
frente à escola, numa rua com dois sentidos, só dá para circular numa direcção
de cada vez. Tudo porque de cada um dos lados, uma belíssima fila de carros
estacionados com as rodas da direita em cima dos passeios iluminam a rua com os
seus quatro piscas como se estivessem em festa. São estes postais inesperados que
nos fazem adorar esta Lisboa sempre bonita. Ainda bem que temos que ficar aqui
parados uns bons dez minutos para poder apreciar este deslumbre luminoso
enquanto os paizinhos abrem a porta, entregam a lancheira, ajeitam o casaco e
fazem uma festinha na cabeça aos meninos de 15 anos. Esta coisa das leis faz
sempre sentido.
E
lá chegamos ao trabalho com uns meros quinze minutos de atraso. Entretanto
parámos ou arriscámos a chapa do nosso carrinho mais seis vezes. Porém, dura lex sed lex.
Os
quatro piscas funcionam como a ferramenta legitimadora de qualquer paragem em
qualquer lugar à escolha, são o “é tudo nosso” da circulação rodoviária
alfacinha e são as luzes que mais me ofuscam a racionalidade. Quem nunca ficou
com o rosto iluminado de fúria perante aquelas piscadelas irritantes, nunca
conduziu em Lisboa.
Um
dia destes ligo os quatro piscas em andamento por estas colinas fora. Só para
causar ataques de nervos aos alfacinhas na expectativa de verem se eu paro ou
não.
A
ver se gostam.
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domingo, 15 de janeiro de 2017
A Lei dos Quatro Piscas.
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