Lisboa é terra de gente honesta. Por outro lado tem ladrões, pedintes de
todos os estratos económicos, piratas, assaltantes e contadores do conto do
vigário.
De todos eles, a minha subespécie favorita é a dos carteiristas do
Eléctrico 28.
O carteirista do Eléctrico 28 não é um profissional qualquer. Não assalta o
trabalhador português honesto que usa este meio de transporte para se deslocar
para o local de trabalho. É um ofício com um público-alvo bem definido: o
turista deslumbrado que, de máquina-fotográfica a tiracolo, circula entre as
dez da manhã e as sete da tarde, de boca aberta e bolsinha prática, a olhar
atentamente para as maravilhas da zona histórica da cidade.
Também não trabalha sozinho. É necessária a cooperação de uma equipa, de no
mínimo três elementos, para executar com brio a tarefa.
Ora, os carteiristas entram no eléctrico na Graça e, quando chegam ao
Castelo, já têm o dia ganho.
Sempre agasalhados com casacos cheios de bolsos, seja Agosto ou Janeiro,
falam alto e discutem a missão em Português perante os ouvidos atentos do
Lisboeta que enfia mais a cabeça no livro ou começa a enviar mensagens no
telemóvel. Quem será a vítima? A francesinha de franja e oculinhos com o seu
namoradinho pálido, que vão aos beijinhos em pé lá ao fundo? Ou o alemão
camarão gordinho com meias brancas e sandálias Birkenstock ali a meio? O
alemão. O alemão vai com a pochete meia aberta. Está mais a jeito.
Aproximam-se devagar do pobre. Um deles com delicadeza de pluma enfia os
dedos dentro da mala e recorrendo a artes de adivinhação passadas de boca em
boca desde os tempos do Zé do Telhado, vai directamente à carteira do dinheiro
e tira-a para fora. Anuncia em voz alta a sua conquista e, na paragem seguinte,
ala que se faz tarde.
O turista alemão dará conta muito mais à frente quando um português
corajoso, depois de se certificar que o bando assaltante ficou há duas paragens
atrás, o avisar.
O carteirista do Eléctrico quase não folga. Quando muito, muda de ares. Por
exemplo, no dia 13 de Maio, qualquer um
pode levar uma mala cheia de notas aberta no eléctrico. Já em Fátima, é
melhor fechar a carteira a sete chaves. O carteirista vai religiosamente à Cova
da Iria vigiar a carteira dos fiéis.
Apanho muitas vezes este eléctrico. Normalmente porque me dá jeito. Outras
vezes, só para descobrir mais um detalhe bonito desta cidade encantadora. Muitas
vezes sou prendada com a actuação do carteirista e fico sempre maravilhada
com a sua arte. É verdade que no fundo o carteirista é um ladrão. Mas que o 28
não seria a mesma coisa sem ele, é outra verdade incontornável.
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