Que Lisboa é cidade de amizade instantânea e conversa fácil já eu
sei há muitos anos. Cá na capital, duas ou mais pessoas, mais de
dois minutos, sentadas ou em pé, paradas e em espaço limitado, é a
dosagem certa para receita que começa em cordialidade e acaba em
camaradagem. Na paragem do autocarro, a fumar à porta dos prédios,
na sala de espera dos dentistas, na fila dos Correios e até em
alguns elevadores de longo curso, é ver amenamente as cavaqueiras a
pegarem em lume brando. Não há lisboeta sem opinião, visão ou
julgamento e a quem, no seu caso, não lhe tenha acontecido, numa
certa ocasião, uma coisa muito interessante, que não esteja
disposto a partilhar com detalhe, humor ou drama, com o rosto
desconhecido que se lhe parou à frente.
E não há rede social que concorra com estes encontros. É que
apesar da moda das selfies, quem não vê caras, ao vivo, não vê
corações, como diria o Sérgio Godinho se tivesse escrito a tal
canção tão bonita nesta época do virtual.
Esta semana descobri um novo local para fazer amigos. A lavandaria
self-service cá do bairro.
Já tinha visto estes estabelecimentos comerciais a cogumelarem pela
cidade, mas, sendo eu orgulhosa detentora de uma máquina de lavar a
roupa de tambor de 7Kg e de uma máquina de secar caríssima, a
minha melhor amiga quando a chuva chove semanas seguidas, sempre
olhei com um certo desdém para a sua clientela. Porém, cuspir para
o ar é muito perigoso e lá fui eu na quarta-feira parar à
lavandaria que abriu há pouco tempo ali ao principio da rua.
Entrei a cogitar que ia só para desenrascar e nunca mais voltava.
Passado cinco minutos estava já a projectar as melhores fotografias
que iria tirar à minha maquinaria caseira para vender no OLX.
Descobri um mundo novo admirável. Em cinquenta minutos e por poucos
euros lavo a roupa, com o mesmo detergente do Sheraton, disse o
senhor da manutenção, seco e ainda a dobro naquela mesinha
fantástica que eles lá puseram. Se aquelas máquinas passassem a
ferro, mudava-me para lá.
Mas o melhor de tudo, como sempre e em tudo, não são as máquinas,
são as pessoas. Ali dentro não há silêncios. Nem tempo para ler
livros ou pensar na vida. É uma espécie de reunião de
conversadores anónimos. Entramos na conversa enquanto a roupa entra
na máquina. Alguém ajuda com as instruções e forma de pagamento e
daí para a frente já não há forma de fugir. Nos 30 minutos em que
a roupa gira dentro do olho de vidro gigante a conversa é
inevitável. Fala-se de nada. Fala-se de tudo. Fala-se. Enfia-se a
roupa lavada e a cheirar bem na máquina de secar e fala-se. Tira-se
a roupa seca e alguém se oferece para ajudar a dobrar. Mudam as
pessoas com as mudas de roupa e a conversa segue lá dentro em vozes
diferentes pela tarde fora. Se for lá agora, ainda está lá a mesma
conversa.
Desde esse dia, quando volto para casa e sinto o cheiro a roupa
lavada que vem lá do cimo da rua, subo as escadas a correr e vou ver
ao cesto da roupa se já lá tenho que chegue para fazer uma máquina.
Uma nódoa nas calças passou a ser recebida com um sorriso. E torço
para que a minha máquina não tenha conserto.
Depois espreito pela varanda e vejo o meu estendal vazio e fico com
remorsos. Como posso ser
assim tão fracamente infiel ao património que é a roupa estendida
nas cordas? Nunca mais lá volto.
Só quando voltar a cair o café no tapete da sala, que não cabe na
máquina cá de casa.
Oops.