domingo, 28 de setembro de 2014

A minha bela lavandaria.


Que Lisboa é cidade de amizade instantânea e conversa fácil já eu sei há muitos anos. Cá na capital, duas ou mais pessoas, mais de dois minutos, sentadas ou em pé, paradas e em espaço limitado, é a dosagem certa para receita que começa em cordialidade e acaba em camaradagem. Na paragem do autocarro, a fumar à porta dos prédios, na sala de espera dos dentistas, na fila dos Correios e até em alguns elevadores de longo curso, é ver amenamente as cavaqueiras a pegarem em lume brando. Não há lisboeta sem opinião, visão ou julgamento e a quem, no seu caso, não lhe tenha acontecido, numa certa ocasião, uma coisa muito interessante, que não esteja disposto a partilhar com detalhe, humor ou drama, com o rosto desconhecido que se lhe parou à frente.

E não há rede social que concorra com estes encontros. É que apesar da moda das selfies, quem não vê caras, ao vivo, não vê corações, como diria o Sérgio Godinho se tivesse escrito a tal canção tão bonita nesta época do virtual.

Esta semana descobri um novo local para fazer amigos. A lavandaria self-service cá do bairro.

Já tinha visto estes estabelecimentos comerciais a cogumelarem pela cidade, mas, sendo eu orgulhosa detentora de uma máquina de lavar a roupa de tambor de 7Kg e de uma máquina de secar caríssima, a minha melhor amiga quando a chuva chove semanas seguidas, sempre olhei com um certo desdém para a sua clientela. Porém, cuspir para o ar é muito perigoso e lá fui eu na quarta-feira parar à lavandaria que abriu há pouco tempo ali ao principio da rua.

Entrei a cogitar que ia só para desenrascar e nunca mais voltava. Passado cinco minutos estava já a projectar as melhores fotografias que iria tirar à minha maquinaria caseira para vender no OLX. Descobri um mundo novo admirável. Em cinquenta minutos e por poucos euros lavo a roupa, com o mesmo detergente do Sheraton, disse o senhor da manutenção, seco e ainda a dobro naquela mesinha fantástica que eles lá puseram. Se aquelas máquinas passassem a ferro, mudava-me para lá.

Mas o melhor de tudo, como sempre e em tudo, não são as máquinas, são as pessoas. Ali dentro não há silêncios. Nem tempo para ler livros ou pensar na vida. É uma espécie de reunião de conversadores anónimos. Entramos na conversa enquanto a roupa entra na máquina. Alguém ajuda com as instruções e forma de pagamento e daí para a frente já não há forma de fugir. Nos 30 minutos em que a roupa gira dentro do olho de vidro gigante a conversa é inevitável. Fala-se de nada. Fala-se de tudo. Fala-se. Enfia-se a roupa lavada e a cheirar bem na máquina de secar e fala-se. Tira-se a roupa seca e alguém se oferece para ajudar a dobrar. Mudam as pessoas com as mudas de roupa e a conversa segue lá dentro em vozes diferentes pela tarde fora. Se for lá agora, ainda está lá a mesma conversa.

Desde esse dia, quando volto para casa e sinto o cheiro a roupa lavada que vem lá do cimo da rua, subo as escadas a correr e vou ver ao cesto da roupa se já lá tenho que chegue para fazer uma máquina. Uma nódoa nas calças passou a ser recebida com um sorriso. E torço para que a minha máquina não tenha conserto.

Depois espreito pela varanda e vejo o meu estendal vazio e fico com remorsos. Como posso ser
assim tão fracamente infiel ao património que é a roupa estendida nas cordas? Nunca mais lá volto.

Só quando voltar a cair o café no tapete da sala, que não cabe na máquina cá de casa.

Oops.

4 comentários:

  1. Há línguas que precisam, bem mais do que uma conversa, de ir à lavandaria. São as sujas e imundas, repletas do sentido de perverso, que atacam com um "napalm" irracional, com o objetivo de confortar um, através da diminuição de todos... Viva a lavandaria, viva tudo o que é lavagem, viva o branco (mesmo que preto), o puro, o imaculado, a extravasar para o honesto e o sincero... adeus água encardida que escorres pelo ralo, que levas pensamentos e energias que não podem voltar mais... Não deixes! Água suja purifica-te, até um dia!

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  2. Eu faço certas atividades no chão da sala e às vezes sujo a carpete... também vou começar a ir à lavandaria.

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  3. Quando vais à lavandaria tiras a roupa toda?

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  4. Isto é a modos Margarida Rebelo Pinto.

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