domingo, 12 de outubro de 2014

Centro Cultural.

Quem somos? De onde vimos? Para onde vamos?

Mal passo a porta do Centro Comercial do Martim Moniz passo a ser a estrangeira que vem da velha Europa e que entra em continentes longínquos e misteriosos. Tudo aquilo que eu acho que sei se altera instantaneamente. Aqui somos outros. Aqui somos os outros.

Ou talvez não.

Durante anos passei no lado de fora desta porta e fui adiando a entrada. A verdade é que tinha um certo acanhamento. E receio. Um receio absurdo de que me fizessem um mal que eu não sabia bem qual seria. Um mal qualquer. Como aquele que o Bicho Papão me teria feito em criança. Caso o Bicho Papão existisse. Talvez venha daí um medo que nos acompanha o resto da vida: das coisas que não existem.

Um certo acanhamento por me sentir ingénua. Por não saber distinguir o cheiro quente do cominho moído do perfume melado do açafrão. Por não enxergar a diferença entre massa de arroz e massa de ovo.

Mas um dia chegou em que me enchi de coragem e entrei. A motivação foram os cardamomos. Um basmati sem cardamomos perde a magia. E eu, que queria mesmo fazer truques na cozinha, lá me afoitei a entrar.

Pessoas. Lá dentro a circular absortas nas suas inadiáveis tarefas. Pessoas.

Pessoas. Todas as etnias que vieram do lado de lá do mar e por aqui desaguaram. Todas as cores que o mundo tem aqui se cruzam. Pessoas.

Lojas. Lojas apinhadas de toalhas de mesa, turcos, pijamas, camisolas da selecção, pantufas, meias, óculos de sol, cintos da moda, cuecas, relógios de fiel imitação e cachecóis. Tudo mais barato. Tudo ao desbarato. Lojas.


Cheiros. Odores quentes que cheiram a cores fortes. Cravinho, pimenta, canela, anis estrelado, cardamomo, cominho, coentro, malagueta, baunilha, folha de caril, noz-moscada e incenso. Cheiros.

Lojas. Lojas com saris, kimonos, roupa de dança do ventre, turbantes, pashminas e outras fatiotas de nomes enigmáticos e bonitos. Lojas.

Caixas. Gigantes, cheias de secretas mercadorias. Encostadas em cada canto em montanhas precárias e periclitantes. Chegaram mesmo há bocado do outro lado do mundo e estão já de saída para se espalharem pelos quatro cantos da cidade. Caixas.

Lojas. Arroz, massa chinesa, óleo de palma, tamarindo, banana-pão, peixe seco, gengibre, pato fumado, hóstias de camarão, couscous, picle de manga e conservas de lichias. Lojas.

Línguas. Uma babel na Mouraria, bairro onde nasceu o fado, um dos pilares da divulgação do Português. Letras estranhas, palavras adocicadas, ásperas, como se soassem a saudades de longe. Na hora de comprar o que me safa é a universalidade do sorriso. Línguas.

Tão feio por fora. Tão vivo por dentro.

Dessa primeira ida, lembro-me que trouxe os cardamomos, caril, arroz e muitos saquinhos de especiarias que nunca cheguei a usar.

Agora até lá vou e saio sem comprar nada. Vou porque sim. Ao fim de um dia de trabalho, quando não sei para onde vou, vou por ali.

2 comentários:

  1. Que original... Já sei em quem se inspirou a Anita, foi na couve-flor! A couve-flor vai à lavandaria, a couve-flor vai às compras...

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  2. Oh, que bom! Que saudades desses lugares. Obrigada couve-flor, por tornar tão perto lugares que não visito há tanto tempo! Sinto que acabei de lá ir mesmo agora! :)) E por me lembrar de pormenores que já tinha esquecido! Obrigada. :)) Beijinhos, Clara

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