domingo, 8 de novembro de 2015

Os lençóis da Rita.



A Rita é uma menina bonita que aos 18 anos decidiu estender os seus lençóis por esta Lisboa fora. Mas como não tinha estendal, andou a pedir estendais emprestados e, por voltas da vida, acabou por estender um lençol na varanda cá de casa.

A Rita quer é dar nas vistas. Dar nas vistas dos lisboetas que passam pelas ruas e fazê-los pensar e repensar o desaire de ser refugiado. É que a Rita aqui há tempos leu a notícia do desvio das rotas dos comboios dos refugiados na Hungria e percebeu um reflexo de uniformização dos seres humanos em números. A partir daí observou o drama dos refugiados com compaixão. Para ela, tal como a história relata, repete-se a desumanização, a incapacidade empática e a despersonalização da vítima.

A Rita quer desconstruir as imagens simbólicas e as opiniões extremistas que circulam pelos meios de comunicação e nas redes socias em particular. Dar individualidade aos protagonistas desta tragédia. Pessoalizar. Ser-humano a ser humano. Dar a oportunidade a cada um de questionar a sua posição pela emoção. Cara a cara. Caminhar nos sapatos do outro. Olhos nos olhos. Alcançar a dor de sair da sua casa, desterrado, despojado, sem rumo, sem sentido, sem querer. Olhos nos olhos.

A Rita desenhou-lhes os rostos. Os olhos expressivos de medo e incerteza. As caras cansadas de tristeza e dor. O esforço do caminho nos lábios tristes e curvados. A solidão arqueada nas sobrancelhas.

A Rita quis fundir estes rostos com a singularidade da paisagem urbana de Lisboa. Então desenhou a sua visão em lençóis. Há lá imagem mais alfacinha do que um lençol pendurado no estendal? Pôs um anúncio no Facebook e logo angariou voluntários para a sua demanda. Uns porque acharam os lençóis bonitos, outros porque queriam ser uma coisa boa na vida dos outros, porque sim, porque são solidários e empáticos.

Por Lisboa fora há lençóis pendurados nas janelas e nas varandas. No Largo da Trindade, na Rua do Benformoso, no Largo da Achada, na Rua da Graça, no Mercado de Sapadores e outro aqui na rua. Na varanda do meu quarto. Bem preso com muitas molas. São lençóis resistentes. Sobrevivem à chuva e ao vento. O mau tempo não os deita abaixo. Uma semelhança de resistência com os rostos que os ilustram.

A Rita continua resiliente à procura de estendais que queiram pendurar os seus lençóis por três semanas. De casa alfacinha em casa alfacinha eles lá andam à procura de novos sítios para chamarem seus.

Este que vejo agora, pode ficar o tempo que quiser. Acarinho-o porque sei que passa as noites ao frio e não está em sua casa. Está na minha varanda como numa pátria emprestada. E pode ficar até a Rita o vir buscar. Até lá não o tiro. Nem que as minhas vizinhas me gritem. “Vizinha, apanhe o lençol que já secou.”


https://wallynafronteira.squarespace.com/




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