A Rita é uma menina bonita que
aos 18 anos decidiu estender os seus lençóis por esta Lisboa fora. Mas como não
tinha estendal, andou a pedir estendais emprestados e, por voltas da vida,
acabou por estender um lençol na varanda cá de casa.
A Rita quer é dar nas vistas. Dar
nas vistas dos lisboetas que passam pelas ruas e fazê-los pensar e repensar o desaire
de ser refugiado. É que a Rita aqui há tempos leu a notícia do desvio das rotas
dos comboios dos refugiados na Hungria e percebeu um reflexo de uniformização
dos seres humanos em números. A partir daí observou o drama dos refugiados com
compaixão. Para ela, tal como a história relata, repete-se a desumanização, a
incapacidade empática e a despersonalização da vítima.
A Rita quer desconstruir as
imagens simbólicas e as opiniões extremistas que circulam pelos meios de
comunicação e nas redes socias em particular. Dar individualidade aos
protagonistas desta tragédia. Pessoalizar. Ser-humano a ser humano. Dar a
oportunidade a cada um de questionar a sua posição pela emoção. Cara a cara.
Caminhar nos sapatos do outro. Olhos nos olhos. Alcançar a dor de sair da sua
casa, desterrado, despojado, sem rumo, sem sentido, sem querer. Olhos nos
olhos.
A Rita desenhou-lhes os rostos.
Os olhos expressivos de medo e incerteza. As caras cansadas de tristeza e dor.
O esforço do caminho nos lábios tristes e curvados. A solidão arqueada nas
sobrancelhas.
A Rita quis fundir estes rostos
com a singularidade da paisagem urbana de Lisboa. Então desenhou a sua visão em
lençóis. Há lá imagem mais alfacinha do que um lençol pendurado no estendal?
Pôs um anúncio no Facebook e logo angariou voluntários para a sua demanda. Uns
porque acharam os lençóis bonitos, outros porque queriam ser uma coisa boa na
vida dos outros, porque sim, porque são solidários e empáticos.
Por Lisboa fora há lençóis
pendurados nas janelas e nas varandas. No Largo da Trindade, na Rua do
Benformoso, no Largo da Achada, na Rua da Graça, no Mercado de Sapadores e
outro aqui na rua. Na varanda do meu quarto. Bem preso com muitas molas. São
lençóis resistentes. Sobrevivem à chuva e ao vento. O mau tempo não os deita
abaixo. Uma semelhança de resistência com os rostos que os ilustram.
A Rita continua resiliente à
procura de estendais que queiram pendurar os seus lençóis por três semanas. De
casa alfacinha em casa alfacinha eles lá andam à procura de novos sítios para
chamarem seus.
Este que vejo agora, pode ficar o
tempo que quiser. Acarinho-o porque sei que passa as noites ao frio e não está
em sua casa. Está na minha varanda como numa pátria emprestada. E pode ficar
até a Rita o vir buscar. Até lá não o tiro. Nem que as minhas vizinhas me
gritem. “Vizinha, apanhe o lençol que já secou.”
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