domingo, 6 de novembro de 2016

Do Outono em Lisboa.


Tenho os casacos, sobretudos, cachecóis e luvas numa fila histérica à porta do guarda-vestidos a suplicarem todas as manhãs para os levar à rua. As botas atravessam-se-me ao caminho como num filme de terror, ameaçando biqueiradas se eu não as calçar. As flores da varanda voltaram a nascer. Convencidas que mudaram para um país tropical, é vê-las a abrir as pétalas delicadas ao sol matinal.

A verdade é que o frio parece estar em greve este ano. Lisboa continua solarenga e pouco vestida. De tal maneira que o homem das castanhas do Chiado parece que chegou antes do tempo. A temporada das fotos de praia nas redes sociais ainda não encerrou e no primeiro dia de Novembro, o dos santos todos, os cemitérios estavam cheios de gente de guarda-chuva aberto para não apanharem uma insolação.

Todos os anos, quando o Outono entra oficialmente nas nossas vidas, ficamos espantados por estar ainda tanto sol e calor. Esquecidos do ano anterior em que fomos à praia no 5 de Outubro, criticamos o aquecimento global sentados na esplanada à beira do Tejo a beber uma imperial fresquinha que está uma canícula que não é nada normal para esta altura. Porém este ano há uma legítima razão para alvoroço sobre a meteorologia. Se até aqui as conversas sobre o tempo serviam para preencher espaços de encontros pouco íntimos, agora são motivos de telefonemas para as nossas mães.

E é tão bom andar pelas ruas de Lisboa sem agasalhos. Sair de manhã e ter a coragem de não levar um casaco dependurado no braço. Ver o sol a afagar os prédios pombalinos e deixá-lo animar os nossos termostatos emocionais que já estavam preparadinhos para a época melancólica do cair da folha. Perguntar aos estrangeiros quantos graus estão na terra deles e fazer um sorriso condescendente. Por este andar no Verão de São Martinho a Protecção Civil vai decretar alerta vermelho por ondas de calor na capital.

Por estes motivos, declaro o Outono de 2016, o melhor Outono de sempre. O ano em que as galochas vão deixar de estar na moda, as sarjetas não vão entupir, a água não vai inundar a Baixa e chegaremos ao Natal bronzeados. Ou talvez esteja a exagerar.

Por outro lado declaro o Outono de 2016 o pior Outono de sempre. Onde andarão a tombar as folhas ocres? Quando poderei começar a deixar entrar a saudade do Verão dentro da minha corrente sanguínea? Preciso de molhar os sapatos numa poça de água, de usar a manta do sofá, de aquecer as mãos com um cartucho de castanhas e que o vento me torça as varetas do guarda-chuva.


Por muito que me agrade o clima ameno, se for para continuar, em breve sofrerei de nostalgias de céus cinzentos sobre o Arco da Rua Augusta, de chuvas miudinhas no Tejo e de vento fresco na cara. Que a Lisboa do Outono também é bonita. Ganha a inquietação da tristeza com que se escrevem poemas. O que me dá a convicção de que foi nesta altura do ano que inventaram a palavra saudade.

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