Tenho os casacos, sobretudos, cachecóis e luvas numa fila histérica à
porta do guarda-vestidos a suplicarem todas as manhãs para os levar à rua. As
botas atravessam-se-me ao caminho como num filme de terror, ameaçando
biqueiradas se eu não as calçar. As flores da varanda voltaram a nascer.
Convencidas que mudaram para um país tropical, é vê-las a abrir as pétalas
delicadas ao sol matinal.
A verdade é que o frio parece estar em greve este ano. Lisboa continua
solarenga e pouco vestida. De tal maneira que o homem das castanhas do Chiado
parece que chegou antes do tempo. A temporada das fotos de praia nas redes
sociais ainda não encerrou e no primeiro dia de Novembro, o dos santos todos,
os cemitérios estavam cheios de gente de guarda-chuva aberto para não apanharem
uma insolação.
Todos os anos, quando o Outono entra oficialmente nas nossas vidas,
ficamos espantados por estar ainda tanto sol e calor. Esquecidos do ano
anterior em que fomos à praia no 5 de Outubro, criticamos o aquecimento global
sentados na esplanada à beira do Tejo a beber uma imperial fresquinha que está
uma canícula que não é nada normal para esta altura. Porém este ano há uma
legítima razão para alvoroço sobre a meteorologia. Se até aqui as conversas
sobre o tempo serviam para preencher espaços de encontros pouco íntimos, agora
são motivos de telefonemas para as nossas mães.
E é tão bom andar pelas ruas de Lisboa sem agasalhos. Sair de manhã e
ter a coragem de não levar um casaco dependurado no braço. Ver o sol a afagar
os prédios pombalinos e deixá-lo animar os nossos termostatos emocionais que já
estavam preparadinhos para a época melancólica do cair da folha. Perguntar aos
estrangeiros quantos graus estão na terra deles e fazer um sorriso
condescendente. Por este andar no Verão de São Martinho a Protecção Civil vai
decretar alerta vermelho por ondas de calor na capital.
Por estes motivos, declaro o Outono de 2016, o melhor Outono de sempre.
O ano em que as galochas vão deixar de estar na moda, as sarjetas não vão
entupir, a água não vai inundar a Baixa e chegaremos ao Natal bronzeados. Ou talvez
esteja a exagerar.
Por outro lado declaro o Outono de 2016 o pior Outono de sempre. Onde
andarão a tombar as folhas ocres? Quando poderei começar a deixar entrar a
saudade do Verão dentro da minha corrente sanguínea? Preciso de molhar os
sapatos numa poça de água, de usar a manta do sofá, de aquecer as mãos com um
cartucho de castanhas e que o vento me torça as varetas do guarda-chuva.
Por muito que me agrade o clima ameno, se for para continuar, em breve
sofrerei de nostalgias de céus cinzentos sobre o Arco da Rua Augusta, de chuvas
miudinhas no Tejo e de vento fresco na cara. Que a Lisboa do Outono também é
bonita. Ganha a inquietação da tristeza com que se escrevem poemas. O que me dá
a convicção de que foi nesta altura do ano que inventaram a palavra saudade.
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