Lisboa é cidade de temperatura
amena e sol brilhante. Aqui o Inverno é mesmo para meninos e gorros e luvas são
adereços de moda e não necessidades básicas. Os lisboetas são piegas com o
frio. Mal as temperaturas baixam para perto dos 10 graus, enfiam os lençóis
térmicos nas camas e competem entre si para ver quem tem os pés mais congelados.
Quando cá cheguei há 23 anos,
passei Invernos dos infernos. Nas ruas cheias de alfacinhas enchouriçados de
camisolões e casacões, lá andava eu, vestida como eles e a morrer de calor. Um
dia, farta de andar sempre vermelhusca e a suar as estopinhas, resolvi assumir.
Não tenho frio. Nesta cidade nunca fiquei com os pés gelados e os casacões
com os camisolões fazem-me sentir febril. Nunca me hão-de apanhar com uma
camisolinha polar nem com fatiotas de neve. Pelo menos aqui em Lisboa.
Porém, não foi fácil viver com a
decisão. Desde então uma enxurrada de frases, daquelas candidatas a clássicas
das nossas vidas, tem inundado os meus meses entre finais de Novembro e princípios
de Março.
Não tens frio? Queres que te empreste mais um
casaquinho? Tu até me causas arrepios. Olha que isso não é normal, devias ir ao
médico. Deves estar gelada. Podes desligar o ar frio do carro?
Por isso, quando avisaram que
vinham aí dias de frio polar na capital, fiz o meu sorriso de desdém costumeiro
e saí à rua como sempre. Devo aqui rezar um acto de contrição. A verdade é que
fez frio. E quem ficou arrepiada ao ver um turista de calções fui eu. Lá
mergulhei no fundo do armário à procura de uma camisola grossa e daquele
cachecol fofinho que a minha mãe me fez.
E se eu me agasalhei, os
alfacinhas embrulharam-se. Foi ver os casacos de pele e os gorros gigantes a
desfilarem pelas avenidas. Circularam na Baixa pessoas calafetadas e almofadadas.
Pareceu-me ver um sujeito abraçado a uma botija de água quente na Rua Augusta. Todos
prontinhos para o briol que desceu sobre a cidade durante dois dias. Aqueles
dois dias em que o meu frigorífico teve temperaturas mais elevadas do que as da
rua.
E ao olhar para os viajantes
dessa Europa fora a passearem à beira do Tejo como se fosse Primavera, vi nos
rostos deles uma expressão muito familiar. Um brilhozinho de troça nos olhares
de esguelha. Aquele ar que fazemos no Verão quando passam por nós a escamar as
suas peles de lagosta depois de dois dias a apanhar o nosso sol.
É nestes dias, em que está cá um
griso que não se pode, que eu constato que somos um dos países de maior fortuna
do mundo. Podemos não ter assento na reunião do G7 e andar com frequência a
contar os tostões, mas um país cuja capital fica razoavelmente ridícula vestida
de roupas de Inverno é um país milionário.