domingo, 9 de julho de 2017

O concerto.




Nos anos 90 a música chegava à minha aldeia pela rádio ou por cassetes gravadas de cassetes gravadas que uns primos traziam de Madrid. Depois, se gostávamos mesmo muito, encomendávamos o LP na Discoteca Ferrão em Viseu, que havia de demorar quase um mês a chegar. Concertos de bandas estrangeiras eram miragens maravilhosas gravadas em VHS. Com sorte, os pais deixavam-nos ir ver os Xutos ao Day After ou os GNR à Feira de São Mateus.

Até vir estudar para Lisboa, sobram dedos numa mão se me puser a contar as vezes que cá vim. Era longe, não tinha cá família, o Porto ali tão à mão para ir à Zara e aos Porfírios. Não havia motivos para vir cá. Por isso, quando soube que a minha banda favorita vinha a Alvalade tocar, foi a medo e com descrença que perguntei aos meus pais: “Podiam levar-me a Lisboa ao concerto em Julho?”.

E não é que eles disseram que sim? Foi um dos momentos de melhor memória da minha adolescência. Começaram nesse dia uma série de preparativos complicados. Comprar o bilhete? “Telefonas ao Miguel que já lá está a estudar e ele que compre. E que compre também para ele, para não ires sozinha. Nós pagamos.” Tenho a certeza que foi nesse momento, depois da longa adolescência em que questionamos os nossos sentimentos pelos pais, que voltei a gostar deles.

Chegou o dia 11 de Julho de 1993 e muitas horas antes do concerto, já estava com o Miguel a caminho do Estádio de Alvalade. Eu estava nervosa. Com borboletas a voarem na minha barriga. Lisboa era uma cidade estranha. Muita gente. Muita gente com roupas esquisitas que passavam por mim sem me ver. Gente que não dava as boas tardes e que comia em andamento. Que andava pela rua com walkmans nos ouvidos e que lia nos transportes públicos.

Horas de espera com a cabeça ao sol em Alvalade. Bebemos umas cervejas e comemos o farnel que eu levava na mochila. Naquela altura só não podíamos entrar com fruta. Comprei uma T-shirt que vesti logo. Aguentámos heroicamente uma primeira parte da qual não tenho imagens guardadas em mim. E, por volta das dez da noite, houve missa solene no estádio. Pelo menos para mim. O concerto foi como uma cerimónia religiosa onde descobri que afinal havia muitos mais fiéis a comungar e a rezar o mesmo credo. Ainda soam em mim ecos das músicas que ouvi naquela noite.

Claro está que passei o resto do Verão a chatear toda a gente com a conversa do concerto. Claro está que levava a T-shirt com vaidade para todo o lado. Desconfio que houve uma altura em que a minha mãe até a escondeu. Para não passar vergonhas em eventos mais sérios.

Passaram 24 anos. Ontem fui vê-los outra vez ao Alive. Músicas novas. Músicas antigas. O brilho não foi o mesmo. Nunca mais foi. Só temos direito a um primeiro concerto na vida. Já não levei a T-shirt nem fiquei nervosa. Já os vi tantas vezes que perdi a conta. Como poderia eu ter sonhado aos 17 anos que um dia iria com tanta calma ao concerto.


No entanto, há ainda uma menina dentro de mim que sabe as letras todas de cor. Que sabe as pausas e adivinha ao primeiro acorde a música que se segue. Que não quer que ninguém fale com ela durante o concerto. Que quer beber as canções em tragos lentos e bem saboreados. E que fica grata aos pais por, mais uma vez, lhe terem oferecido o bilhete para ir ver os Depeche Mode.

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