Nos anos 90 a música chegava à
minha aldeia pela rádio ou por cassetes gravadas de cassetes gravadas que uns
primos traziam de Madrid. Depois, se gostávamos mesmo muito, encomendávamos o
LP na Discoteca Ferrão em Viseu, que havia de demorar quase um mês a chegar. Concertos
de bandas estrangeiras eram miragens maravilhosas gravadas em VHS. Com sorte,
os pais deixavam-nos ir ver os Xutos ao Day After ou os GNR à Feira de São
Mateus.
Até vir estudar para Lisboa,
sobram dedos numa mão se me puser a contar as vezes que cá vim. Era longe, não
tinha cá família, o Porto ali tão à mão para ir à Zara e aos Porfírios. Não
havia motivos para vir cá. Por isso, quando soube que a minha banda favorita
vinha a Alvalade tocar, foi a medo e com descrença que perguntei aos meus pais:
“Podiam levar-me a Lisboa ao concerto em Julho?”.
E não é que eles disseram que
sim? Foi um dos momentos de melhor memória da minha adolescência. Começaram
nesse dia uma série de preparativos complicados. Comprar o bilhete? “Telefonas
ao Miguel que já lá está a estudar e ele que compre. E que compre também para
ele, para não ires sozinha. Nós pagamos.” Tenho a certeza que foi nesse momento,
depois da longa adolescência em que questionamos os nossos sentimentos pelos
pais, que voltei a gostar deles.
Chegou o dia 11 de Julho de 1993
e muitas horas antes do concerto, já estava com o Miguel a caminho do Estádio
de Alvalade. Eu estava nervosa. Com borboletas a voarem na minha barriga. Lisboa
era uma cidade estranha. Muita gente. Muita gente com roupas esquisitas que
passavam por mim sem me ver. Gente que não dava as boas tardes e que comia em
andamento. Que andava pela rua com walkmans nos ouvidos e que lia nos
transportes públicos.
Horas de espera com a cabeça ao
sol em Alvalade. Bebemos umas cervejas e comemos o farnel que eu levava na
mochila. Naquela altura só não podíamos entrar com fruta. Comprei uma T-shirt
que vesti logo. Aguentámos heroicamente uma primeira parte da qual não tenho
imagens guardadas em mim. E, por volta das dez da noite, houve missa solene no
estádio. Pelo menos para mim. O concerto foi como uma cerimónia religiosa onde
descobri que afinal havia muitos mais fiéis a comungar e a rezar o mesmo credo.
Ainda soam em mim ecos das músicas que ouvi naquela noite.
Claro está que passei o resto do
Verão a chatear toda a gente com a conversa do concerto. Claro está que levava
a T-shirt com vaidade para todo o lado. Desconfio que houve uma altura em que a
minha mãe até a escondeu. Para não passar vergonhas em eventos mais sérios.
Passaram 24 anos. Ontem fui
vê-los outra vez ao Alive. Músicas novas. Músicas antigas. O brilho não foi o
mesmo. Nunca mais foi. Só temos direito a um primeiro concerto na vida. Já não
levei a T-shirt nem fiquei nervosa. Já os vi tantas vezes que perdi a conta.
Como poderia eu ter sonhado aos 17 anos que um dia iria com tanta calma ao
concerto.
No entanto, há ainda uma menina
dentro de mim que sabe as letras todas de cor. Que sabe as pausas e adivinha ao
primeiro acorde a música que se segue. Que não quer que ninguém fale com ela
durante o concerto. Que quer beber as canções em tragos lentos e bem
saboreados. E que fica grata aos pais por, mais uma vez, lhe terem oferecido o
bilhete para ir ver os Depeche Mode.
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