Fez há dias 20 anos que vim
trabalhar para a Penha de França. Moro do outro lado da cidade, mas este também
é o meu bairro. Vejamos. Não consigo sair a porta do emprego sem cumprimentar
alguém na rua, sei o nome de vários cães, é cá o meu mecânico, compro fruta na
Cristina, jogo no Euromilhões na papelaria da esquina, vi negócios a nascer e a
morrer, vi figuras emblemáticas a desaparecer e frequento diariamente o Olha
que Dois.
Já escrevi antes sobre o Olha que
Dois. É o meu café da manhã. Meu e dos meus colegas. Todas as manhãs dividimo-nos
em vários grupos de companheiros de bica e rumamos para lá. O primeiro grupo
passa a palavra aos restantes: hoje há sonhos, para o almoço têm polvo à
portuguesa ou, quando alguém não pode ir, trazes-me um pãozinho com queijo do
Olha que Dois? Houve uma altura em que fecharam para obras em que andámos à toa
pelos outros cafés como se não tivéssemos um sítio onde pousar.
O Olha que Dois é uma
instituição. Acolhe os velhotes do bairro como se fosse um centro de dia. Mas
daqueles onde há mesmo alegria e carinho. Não há senhora mais velha que não
tenha uma queda pelo Paulo, que as trata a todas por namoradas.
Os clientes conhecem-se e saúdam-se
como velhos amigos. Como não? Há anos que somos fiéis e coincidentes naquelas
mesas e naquele balcão.
Durante os confinamentos, nos
dias em que não estávamos em teletrabalho, entregavam-nos a comida quentinha no
escritório à hora marcada e até levavam o multibanco. Nunca fecharam nem
despediram os funcionários.
Sabem de cor o que vamos pedir e
como gostamos da nossa bica. Nunca franzem o sobrolho aos caprichos gustativos
de cada um. E nunca nos impingem nada. Se é só o café, é só o café.
São gente de bem, que não negam
comida a quem sabem que não a pode pagar. Empregados e patrões confundem-se
numa espécie de família que nos recebe com paciência, café e gargalhadas.
Na altura do Natal vão levar ao meu
local de trabalho bolos-reis gigantes e vinho do Porto. Como se o agradecimento
tivesse que ser deles. A nós, clientes satisfeitos, sempre apressados e
primorosamente atendidos.
Nos dias frios de Inverno ou quando
estou mais triste, tudo melhora quando entro e aqueço com um sorriso. Ao longo
dos anos, alguns destes sorrisos mudaram e outros permaneceram. O Sr. Delfim (que
foi um dos proprietários), o Ariel (para sempre um bom amigo), os dois Carlos,
já não estão lá, mas são sempre boas memórias. Nos dias que correm, temos a boa
disposição do Marcos, do Marlon e da Sónia, os pratos saborosos da D. Edna e,
acima de tudo, a atenção e alegria do Paulo, o proprietário que mantém sempre o
barco à tona passem as ondas que passarem.
Correndo o risco de me tornar
repetitiva, volto a escrever o mesmo que há dez anos: o Olha que Dois é o meu
café das manhãs. Faz parte do meu dia. Se não for lá, a minha rotina laboral,
desestabiliza. Sou como qualquer habitante desta cidade, que a meio da manhã
tem uma chávena de café quentinho à sua espera em cima do balcão do sitio do
costume. Daquele sitio onde, quando não têm troco para a nota de vinte euros,
nos dizem com toda a confiança: “Deixe estar, paga amanhã”.
Hoje o Olha que Dois faz 20 anos.
Venham, pelo menos, outros tantos.
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