O arrumador de carros é
o polícia sinaleiro dos tempos modernos. Ele desmonta-se em
sinalética gestual para nos dizer que é ali que está o lugar onde
o nosso carrinho vai ficar. Ele assobia para nos moralizar. Ele
organiza em segundos um engarrafamento de carros que não querem
andar dali para lado nenhum. Querem parar. Aquece-nos o coração com
aquela vaga de 8 m2 de terreno, que, durante umas horas, vai ser
nossa.
O meu arrumador querido é
o Sr.Toni. O Sr.Toni fez anos esta semana. 71 anos. E disse-me. E eu,
nesse dia, de alma apertada por não entender porque é que neste
mundo alguém com esta idade tem que arrumar carros, dei-lhe uma
moeda de dois euros.
O Sr.Toni tem a pele
morena e curtida pelas vontades da meteorologia. Falta-lhe a
falangeta do dedo indicador da mão direita. A mão onde eu deposito
as moedas. Como todos os seus colegas, lê-se-lhe nos dentes a
história áspera da sua vida. Aposto que quando era miúdo nunca
sonhou com aquela profissão. Porém, a julgar pelo sorriso encantador
com que me recebe todas as manhãs, ninguém o diria.
Quando chego à Penha de
França, em contagem decrescente e de alta velocidade para as 9 da
manhã, lá está ele com o lugar guardado para mim. Assobia-me os
bons-dias e eu sigo as setas que saem do seu braço até ao solo
sagrado. Quando saio do carro falamos do tempo. Está cá uma brasa.
Está cá um briol. Esta chuva que não molha. Esta chuva que não
passa.
Mão estendida. Moeda.
Desejamo-nos mutuamente bom trabalho. Até amanhã.
Muita gente diz que os
arrumadores são uma praga. Que usurpam aquilo que é nosso por
direito para nos levarem as moedas. Que se vingam se dermos pouco
dinheiro. Que riscam o carro.
A mim nunca aconteceu.
Como em todas as profissões há gente reles. Mas eu, sou bafejada
pela sorte.
Digam lá que naquelas
horas em que já estamos tontos de tantas voltas dar com o veículo e
não encontrar um buraco para o meter, não sabe bem ouvir um
assobio, olhar e ver uma mão no ar a indicar o caminho certo? Ai
sabe sabe.