domingo, 12 de janeiro de 2014

Vou ao Estádio.



Lisboa é uma cidade de cafés e tascas. São espaços públicos que se mantêm. Ao longo dos anos ouviram segredos conspirativos, planos mirabolantes e viram histórias de amor começar e terminar, sem contarem a ninguém.
Cada lisboeta tem os seus sitios. O seu café, a sua tasca, a sua segunda casa. Cada balcão é um abraço. Cada mesa é um sofá caseiro e confortável. Cada empregado é um familiar.
Há uma tasca que já foi minha e onde voltei esta semana. Ia com o coração aos pulos. Mas a verdade é que ainda se lembrava de mim. Quando entrei as paredes piscaram-me o olho.
Fui ao Estádio.
Coladinho ao Bairro Alto, ali na Rua de São Pedro de Alcântara, o Estádio é uma das tascas mais castiças de Lisboa. Reza a lenda que tem mais de cem anos e que por ali andaram os jornalistas na altura em que o Bairro era a sede de todos os jornais. Que o Jorge Palma escreveu por lá algumas letras encantadas e que ali se conspiraram destinos da nação.
Quando entramos sentimos o ambiente viciado pelo fumo dos cigarros. As paredes estão amareladas e não são pintadas desde o dia de abertura. A luz branca que fere os olhos, ali é quase um carinho. As mesas de fórmica azul-bebé devem ter sido substituidas na década de 70 e estão ali para durar.
Lá se mantêm os três elementos do decor que são tão clássicos e que nunca poderão desaparecer, sob pena de gerarem abaixo-assinados e petições. O quadro, a jukebox e a máquina de flippers.
O quadro é uma pintura naif hiper-realista com proporções e escalas muito mal medidas  do Estádio Nacional. Foi absorvendo fumo, sendo limpo com panos húmidos e entranhando alguma gordura. Um verdadeiro tesouro para um arqueólogo que com um pincel fosse detectando, camada após camada, quais marcas de cigarro se foram fumando ou a história dos detergentes ao longo do século XX.
A jukebox é o meu objecto preferido. Não tem o "Voyage Voyage" da Desireless que é o meu nº1 do top-jukebox. Mas tem Gainsbourg, Amália, Birkin, Heróis do Mar, Bee Gees e outros tantos que agora não me recordo. Está sempre a tocar. Há sempre um saudosista com uma moeda. Há dias em que tem fila de espera. Há músicas que só sabem bem se forem escutadas directamente daquela jukebox. O youtube tira-lhes o sabor.
A máquina de flippers não é coisa que eu use. Mas agrada-me ver aquelas batalhas homem/máquina em que o homem diz palavrões e a máquina devolve luzinhas a piscar e sonzinhos irritantes.
No Estádio bebe-se cerveja e comem-se amendoins. Quando muito pedem-se umas batatas Titi.
No Estádio bebem-se muitas cervejas. Muitas. Só assim é possível que por ali se decida que no dia seguinte se mudará de vida. Que se vai deixar de obedecer à ordem vigente e vai ser-se poeta ou marinheiro. Ou aviador. Quem entra ali pode ser de qualquer crença política. Sai-se é sempre de esquerda e a trautear a Internacional.
Como o nome indica, o Estádio é o sitio ideal para ver jogos de futebol. O local vira bancada. Com direito a cachecóis, bandeiras e insultos à mãe do árbitro.
Tempos houve em que o Sr. Manuel nos trazia cervejas à mesa. Com ele a comunicação era por linguagem gestual. Duas mãos em concha na zona do peito eram duas médias Sagres fresquinhas. O dedo médio esticado no ar, era mais uma. O Sr. Manuel morreu vai para dez anos e perdeu-se essa tradição. Mas ficará para sempre na memória de quem por ali bebeu e voltou a beber.
E se querem saber mais, vão lá. Só lá vão saber do que falo. Levem amigos, metam moedas na jukebox e mandem vir cervejas para a mesa.

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