domingo, 5 de janeiro de 2014

Lisboa é um pombal.



Os pombos. Ai os pombos a sobrevoar Lisboa.

Esses bandos que cruzam os céus a disseminar toxoplasmose, piolhos e ácaros, ora na minha varanda, ora na estátua do D. José, ora aqui, ora ali, como se semeassem flores.
Esses bravos que arriscam diariamente a saúde pública completando com afinco e entrega a tarefa das ratazanas, em locais altivos onde estas não conseguem chegar.

Os pombos. Ai os pombos a libertarem-se sobre Lisboa.

Ai aquelas manhãs em que saio de casa a cheirar a perfume francês e a champô de frutos exóticos, com um vestido novo e um pombo se aproxima com ternura e me caga minuciosamente o cabelo e a manga, obrigando-me a voltar atrás e a tomar outro banho e a mudar a vestimenta e me atrasa para o trabalho e me faz levar com o olhar de dúvida do meu chefe quando lhe descrevo o sucedido.
Ai o meu carro columbofilamente medalhado como que a dar-me ânimo, a incentivar, como que a sussurrar: continua a estacionar aqui que em breve tens que pagar uma pintura nova para o popó.
Ai as estátuas e as fachadas trabalhadas pela história e pela arte a serem corroídas pelos dejectos líricos soltos com alma sobre a cidade.
Ai a minha vizinha da frente a chamar-me para me avisar: Vizinha, tire aquela fronha do estendal antes que os pombos a sujem mais.

Os pombos. Ai o caraças dos pombos de Lisboa.

Ai o caraças dos pombos a multiplicarem-se.
Ai o caraças da velhinha solitária sentada no banco da Avenida da Liberdade a dar-lhes pedaços de pão.
Ai o caraças do puto a correr atrás deles no Rossio com uma gargalhada e a comover-me como numa cena de filme.
Ai o caraças da pomba a fugir do pombo que agita a cabeça para trás e para a frente, sintoma de paixão, que me faz rir.
Ai o caraças do pombo parado no meio da rua e ai o caraças de mim que não acelero para não me sentir uma assassina.

Os pombos. Ai os pombos de Lisboa.

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