Os pombos. Ai os pombos a
sobrevoar Lisboa.
Esses bandos que cruzam os céus a
disseminar toxoplasmose, piolhos e ácaros, ora na minha varanda, ora na estátua
do D. José, ora aqui, ora ali, como se semeassem flores.
Esses bravos que arriscam
diariamente a saúde pública completando com afinco e entrega a tarefa das
ratazanas, em locais altivos onde estas não conseguem chegar.
Os pombos. Ai os pombos a
libertarem-se sobre Lisboa.
Ai aquelas manhãs em que saio de
casa a cheirar a perfume francês e a champô de frutos exóticos, com um vestido
novo e um pombo se aproxima com ternura e me caga minuciosamente o cabelo e a
manga, obrigando-me a voltar atrás e a tomar outro banho e a mudar a vestimenta
e me atrasa para o trabalho e me faz levar com o olhar de dúvida do meu chefe
quando lhe descrevo o sucedido.
Ai o meu carro columbofilamente
medalhado como que a dar-me ânimo, a incentivar, como que a sussurrar: continua a
estacionar aqui que em breve tens que pagar uma pintura nova para o popó.
Ai as estátuas e as fachadas
trabalhadas pela história e pela arte a serem corroídas pelos dejectos líricos soltos
com alma sobre a cidade.
Ai a minha vizinha da frente a
chamar-me para me avisar: Vizinha, tire aquela fronha do estendal antes que os
pombos a sujem mais.
Os pombos. Ai o caraças dos
pombos de Lisboa.
Ai o caraças dos pombos a
multiplicarem-se.
Ai o caraças da velhinha
solitária sentada no banco da Avenida da Liberdade a dar-lhes pedaços de pão.
Ai o caraças do puto a correr
atrás deles no Rossio com uma gargalhada e a comover-me como numa cena de
filme.
Ai o caraças da pomba a fugir do
pombo que agita a cabeça para trás e para a frente, sintoma de paixão, que me
faz rir.
Ai o caraças do pombo parado no
meio da rua e ai o caraças de mim que não acelero para não me sentir uma
assassina.
Os pombos. Ai os pombos de
Lisboa.
Ai os pombos, c@r@lh0!
ResponderEliminarAmei!