domingo, 7 de dezembro de 2014

Alfacinhas há muitos.

Afinal porque é que os lisboetas são alfacinhas?

Reza a lenda.
Nem lenda, nem reza.

Perdeu-se nas brumas da memória a razão pela qual um habitante da capital se designa por alfacinha. E, se lhes perguntarem, os lisboetas respondem com estórias diversas, umas mais convincentes que as outras, sem que se possa chegar a uma origem comum. Cada alface, sua salada.

De todas as narrativas que ouvi, a minha preferida é aquela que conta que no século XIX os lisboetas tinham o costume de fazer piqueniques domingueiros na zona saloia. Vaidosos, vestiam os seus melhores fatos para o passeio. Atavam os seus laços ao pescoço e aí iam eles. Os saloios, que viviam da agricultura e estavam habituados a simplicidade, observavam estas personagens com olhos trocistas e afirmavam entre si que, com aqueles laçarotes presunçosos, os lisboetas pareciam umas alfaces.

Daí ao alfacinha, há-de ter sido um saltinho.

E se, durante décadas, chamar alfacinha a alguém, podia ser ofensivo, hoje travam-se verdadeiras batalhas verbais para se saber quem é descendente em linha directa da horta primordial.

É que alfacinhas há muitos.

Ser alfacinha de gema é ter ascendência lisboeta até à segunda geração. Pelo menos. É que isso de ter nascido na Maternidade Alfredo da Costa, não serve para convencer os mais ferrenhos. Alfacinha que é de gema tem uma avó da Mouraria, outra de Alfama e bisavô, quando muito, de Benfica.

Aqueles que têm terra fora de Lisboa, para passar o Natal, são uma espécie de alface embalada e pré-lavada. Falta-lhes o viço de gerações sucessivas a florescer por essas colinas fora.

Há as couves-flor, como eu, nascidas e criadas fora desta grande alface, mas com dupla nacionalidade. Que reclamamos o direito a ser tão alfacinhas como os de gema. Com o coração dividido, mas sempre a suspirar de saudades de uma Lisboa antiga que nunca vimos. Sempre dependentes desta luz boa para florescer.

Estou em crer que Lisboa é cidade generosa que acolhe a todos como seus rebentos. Não lhe interessa quando chegamos. Desde que a levemos connosco para onde formos. No fundo é como Almeida Garrett escreveu n' As Viagens na Minha Terra: "Pois ficareis alfacinhas para sempre, cuidando que todas as praças deste mundo são como a do Terreiro do Paço."


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