A bica é o combustível que faz
andar Lisboa. O lisboeta atesta-se de cafés como quem atesta o carro. Não fora
o mágico carburante e esta cidade seria a capital da procrastinação.
Ainda o sol não abriu bem o dia e
os balcões de todos os cafés de Lisboa já estão rodeados com gente dormente à
espera da chávena milagrosa que os trará de volta à vida. Em chávena fria,
curta, com adoçante, cheia, normal, em chávena escaldada, sem começo, sem
açúcar mas com colher, italiana, há uma fórmula certa para cada alfacinha
caprichoso e dependente. Por trás do balcão, o empregado anda numa lufa-lufa
para dar a cada cliente a sua dose matinal na medida certa. Das seis e meia às
nove da manhã há-de ouvir-se em cada um destes estabelecimentos comerciais o
barulho da máquina a moer os grãos, dos pires a assentarem no vidro do balcão,
das colheres pequeninas, da torneira do vapor e da voz do garçon a gritar: “Dá
uma bica.”
Ao longo do dia as chávenas
dançam sem parar no balcão e nas mesas. É que a bica toma-se como um
medicamento em horários rigorosos. A saber: de manhã, a meio da manhã, depois
do almoço, a meio da tarde e depois do jantar.
Os mais dados a tremuras causadas
pela circulação da cafeína no sangue, a partir de certa altura, batotam estas
etapas com placebo. Bebem descafeinado. Mas alfacinha que se preze, bebe a bica
a qualquer hora, e com cheirinho.
O lisboeta
gere a sua vida social desdobrando-a em bicas.
“ Bebemos um cafezinho
um dia destes.”
“Passa lá em
casa ao fim de jantar para beber café.”
“Já bebeste a
bica?”
“Pagas-me o
café e ficamos quites.”
O precioso líquido é uma
instituição digna de uma condecoração presidencial do 10 de Junho. Decrete-se
já como património municipal. No meio desta crise que nos faz contar os tostões
para comprar as prendas de Natal, enquanto houver uma moedinha para a bica, vai
o lisboeta levando os dias com mais fôlego. Vai-se chegando ao balcão, com a
alma conformada e confortada por ainda poder pedir: “É uma bica, se faz favor.”
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