domingo, 14 de dezembro de 2014

Sai uma bica.


A bica é o combustível que faz andar Lisboa. O lisboeta atesta-se de cafés como quem atesta o carro. Não fora o mágico carburante e esta cidade seria a capital da procrastinação.
Ainda o sol não abriu bem o dia e os balcões de todos os cafés de Lisboa já estão rodeados com gente dormente à espera da chávena milagrosa que os trará de volta à vida. Em chávena fria, curta, com adoçante, cheia, normal, em chávena escaldada, sem começo, sem açúcar mas com colher, italiana, há uma fórmula certa para cada alfacinha caprichoso e dependente. Por trás do balcão, o empregado anda numa lufa-lufa para dar a cada cliente a sua dose matinal na medida certa. Das seis e meia às nove da manhã há-de ouvir-se em cada um destes estabelecimentos comerciais o barulho da máquina a moer os grãos, dos pires a assentarem no vidro do balcão, das colheres pequeninas, da torneira do vapor e da voz do garçon a gritar: “Dá uma bica.”
Ao longo do dia as chávenas dançam sem parar no balcão e nas mesas. É que a bica toma-se como um medicamento em horários rigorosos. A saber: de manhã, a meio da manhã, depois do almoço, a meio da tarde e depois do jantar.
Os mais dados a tremuras causadas pela circulação da cafeína no sangue, a partir de certa altura, batotam estas etapas com placebo. Bebem descafeinado. Mas alfacinha que se preze, bebe a bica a qualquer hora, e com cheirinho.

O lisboeta gere a sua vida social desdobrando-a em bicas.

“ Bebemos um cafezinho um dia destes.”
“Passa lá em casa ao fim de jantar para beber café.”
“Já bebeste a bica?”
“Pagas-me o café e ficamos quites.”


O precioso líquido é uma instituição digna de uma condecoração presidencial do 10 de Junho. Decrete-se já como património municipal. No meio desta crise que nos faz contar os tostões para comprar as prendas de Natal, enquanto houver uma moedinha para a bica, vai o lisboeta levando os dias com mais fôlego. Vai-se chegando ao balcão, com a alma conformada e confortada por ainda poder pedir: “É uma bica, se faz favor.”

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