domingo, 1 de fevereiro de 2015

De braços abertos.






Cristo Rei nunca vais baixar os braços? Há anos a tentar abraçar esta Lisboa que te pisca o olho sempre que o Tejo se distrai. Há anos à espera que o Tejo seque e Lisboa venha a correr para se entrelaçar em ti.

Tudo começou em 1934. O Cardeal Cerejeira foi ao Rio de Janeiro e mirou o Cristo Redentor no cimo do Corcovado. Logo pensou para os seus paramentos que tinha que ter um igual em Portugal. Só precisava de um motivo.

O motivo chegou com a Segunda Guerra Mundial. Se Portugal não fosse à guerra, erigir-se-ia um Cristo tão alto e grandioso que poderia ser visto por Deus lá de cima do céu.

Salazar, não quis violar a amizade com Inglaterra e estava mais interessado na vocação ultramarina do Império. Não iriamos guerrear. E o milagre lá se deu.

Em 1949 lançou-se a primeira pedra no Pragal, 113 metros acima do nível do Tejo. Dez anos mais tarde, foi inaugurado no dia de Pentecostes. Vieram representantes católicos de todas as terras portuguesas de aquém e d'além mar e até veio a imagem da Nossa Senhora de Fátima para a grande consagração da estátua e de Portugal ao Sagrado Coração de Jesus.

Setenta e cinco metros de pórtico projectado pelo arquitecto António Lino, sobre os quais se ergue um Cristo de 28 metros, obra do escultor Francisco Franco de Sousa. De costas para o mar. De braços abertos para a capital.

Mal abriu os olhos viu Lisboa. Mal abriu os olhos, cobiçou-a e pecou. E Deus lá do alto condenou-o à pedra eterna. De braços estendidos ao desamparo para todo o sempre. De olhos postos no romance entre a linda Lisboa e o seu rival Tejo para a eternidade.

Mesmo estando do lado de lá do rio, os lisboetas reclamam ter tanto direito a chamar o Cristo Rei de seu, como os habitantes da margem sul. Muito criticado por se tratar de uma obra do Estado Novo e do mal afamado Cardeal Cerejeira, por ser um mono a quebrar a linha do horizonte, a verdade é que a vista do outro lado não seria a mesma sem ele. Como poderiamos viver sem aquele ser solitário que nos conforta com a sua constante presença incansavelmente disposto a consolar-nos das nossas tristezas? Erguer o olhar para o Cristo Rei é erguer o olhar para um velho amigo que nos entende.

Mas quem consola o Cristo Rei? Quem vai ao seu encontro e lhe baixa os braços e lhe diz para descansar?

Talvez um dia Deus se canse de o castigar e desça lá de cima, lhe dê o mais esperado xi-coração da história da humanidade e lhe perdoe. Nesse dia, espero que ele não se vá embora. Espero que ele estenda os braços a Lisboa, lhe pisque o olho e lhe pergunte: “ Queres espreitar a vista daqui de cima?”

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