Hoje de manhã desci as escadas do
meu prédio e, quando abri a porta da rua, dei de caras com uma máquina
fotográfica com um turista acoplado. Fiz o meu melhor sorriso para o passarinho
e segui para o meu destino.
Na minha mente a pergunta
levitava: o que tem de fotografável a porta do meu prédio? E depois percebi.
Estes turistas estão tão apaixonados por Lisboa, que acham todos os seus
detalhes adoráveis. Até uma porta verde, feia e um pouco suja, sem batente e
com um puxador muito normal, pode ser encantadora aos olhos de um turista
embevecido.
Turista que é turista fotografa
sem parar. Turista que é turista fotografa até sem ver. Leva Lisboa dentro da
máquina e, quando chegar a casa, vê tudo com mais calma. Porém, se prestarmos
atenção aos alvos dos seus disparos vamos descobrir novas Lisboas dentro desta
Lisboa que afirmamos a pés juntos conhecer como as palmas das nossas mãos.
Para além do postal tradicional
do Eléctrico 28 a passar nas Escolas Gerais, do Castelo ou da Torre de Belém,
eles vêem maravilhas nos feitios das pedras da calçada ou no vidro partido da
janela de um prédio abandonado. A placa velha com o nome da rua, a manta
coberta de bugigangas na Feira da Ladra, as ervas a crescerem nos telhados dos
prédios, o contentor das obras apinhado de portas que nunca mais se voltam a
abrir, nem a fechar, a parabólica agarrada à parede mesmo ao lado da varanda de
ferro forjado, as montras de peixe fresco na Rua dos Correeiros, as montras de
peixe seco na Rua do Arsenal.
E mesmo quando Lisboa acorda
despenteada e com os olhos inchados, eles continuam suspirando e fotografando os
azulejos partidos e sujos nos prédios que ameaçam tombar, o candeeiro torto no
Jardim da Estrela, a poça de água que reflecte o prédio pombalino quando faz
sol depois da chuva. E vão seguindo e bisbilhotando os vãos de escadas cujo
cheiro a bafio quase se sente só de ver, a senhora que vigia a carne no assador
ali numa rua de Alfama, a janela entreaberta de um rés-do-chão do Bairro Alto
por onde se espreita o sofá com o naperon na cabeceira e a televisão com o
jarrinho de flores de plástico em cima. O velhote a dormitar ao sol ou a
criança a correr atrás das pombas.
Estes turistas são danados. Deixam-nos
envergonhados com os assombros desta cidade que levam na bagagem e que nós não
chegamos a ver. Deixam-nos invejosos por conhecerem uma cidade onde nós nunca
vamos porque somos parte dela. Mas basta seguir as objectivas das suas máquinas
fotográficas ou ver para onde aguçam a câmara dos seus telemóveis e logo encontraremos
novidades de pasmar desta nossa velha desconhecida Lisboa.
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