domingo, 12 de abril de 2015

Olhó passarinho!








Hoje de manhã desci as escadas do meu prédio e, quando abri a porta da rua, dei de caras com uma máquina fotográfica com um turista acoplado. Fiz o meu melhor sorriso para o passarinho e segui para o meu destino.

Na minha mente a pergunta levitava: o que tem de fotografável a porta do meu prédio? E depois percebi. Estes turistas estão tão apaixonados por Lisboa, que acham todos os seus detalhes adoráveis. Até uma porta verde, feia e um pouco suja, sem batente e com um puxador muito normal, pode ser encantadora aos olhos de um turista embevecido.

Turista que é turista fotografa sem parar. Turista que é turista fotografa até sem ver. Leva Lisboa dentro da máquina e, quando chegar a casa, vê tudo com mais calma. Porém, se prestarmos atenção aos alvos dos seus disparos vamos descobrir novas Lisboas dentro desta Lisboa que afirmamos a pés juntos conhecer como as palmas das nossas mãos.

Para além do postal tradicional do Eléctrico 28 a passar nas Escolas Gerais, do Castelo ou da Torre de Belém, eles vêem maravilhas nos feitios das pedras da calçada ou no vidro partido da janela de um prédio abandonado. A placa velha com o nome da rua, a manta coberta de bugigangas na Feira da Ladra, as ervas a crescerem nos telhados dos prédios, o contentor das obras apinhado de portas que nunca mais se voltam a abrir, nem a fechar, a parabólica agarrada à parede mesmo ao lado da varanda de ferro forjado, as montras de peixe fresco na Rua dos Correeiros, as montras de peixe seco na Rua do Arsenal.



E mesmo quando Lisboa acorda despenteada e com os olhos inchados, eles continuam suspirando e fotografando os azulejos partidos e sujos nos prédios que ameaçam tombar, o candeeiro torto no Jardim da Estrela, a poça de água que reflecte o prédio pombalino quando faz sol depois da chuva. E vão seguindo e bisbilhotando os vãos de escadas cujo cheiro a bafio quase se sente só de ver, a senhora que vigia a carne no assador ali numa rua de Alfama, a janela entreaberta de um rés-do-chão do Bairro Alto por onde se espreita o sofá com o naperon na cabeceira e a televisão com o jarrinho de flores de plástico em cima. O velhote a dormitar ao sol ou a criança a correr atrás das pombas.

Estes turistas são danados. Deixam-nos envergonhados com os assombros desta cidade que levam na bagagem e que nós não chegamos a ver. Deixam-nos invejosos por conhecerem uma cidade onde nós nunca vamos porque somos parte dela. Mas basta seguir as objectivas das suas máquinas fotográficas ou ver para onde aguçam a câmara dos seus telemóveis e logo encontraremos novidades de pasmar desta nossa velha desconhecida Lisboa.
 

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