domingo, 7 de junho de 2015

Carta aberta.




Sr. Carlos, Sr. Domingos e todos os outros senhores que todos os dias me querem comprar o carro,


Espero que esta que vos remeto vos vá encontrar bem.
Escrevo-vos para vos agradecer o interesse demonstrado na aquisição da minha viatura. O esmero com que colocam diariamente o vosso panfleto no meu limpa-pára-brisas comove-me.  Admiro a resiliência do ser humano e gosto sempre de a encorajar, por isso me é tão difícil redigir esta carta. É que pressinto que aquilo que vos vou dizer poderá partir-vos o coração e desmotivar a vossa caminhada rumo à aquisição de todos os automóveis de Lisboa. No entanto, o que tem que ser dito tem que ser dito. Cá vai:


EU NÃO VENDO.


Mas não pensem que esta missiva é de despeito. É sempre um prazer diário ir tirar o panfleto do vidro do carro. Principalmente naqueles dias em que chove muito e, já ilegível e empapado, me fica agarrado às pontas dos dedos. Ou quando me esqueço e passado um dia ele está colado e difícil de retirar.
A verdade é que, às vezes até dão jeito. Quando, por falta de caixote do lixo onde os depositar, os acumulo no porta-luvas. Tê-los ali à mão de semear se precisar de apontar alguma coisa é muito bom. No entanto, o que tem que ser dito tem que ser dito. Cá vai:


NÃO PONHAM MAIS PORQUE EU NÃO VENDO.


E sensibiliza-me que vocês estejam dispostos a ligar-me se eu vos der um toque. Que vão ao local buscar com reboque e assinem um termo de responsabilidade no acto de compra. Que paguem na hora e tratem de toda a documentação. E fico com uma lágrima a querer verter-se sempre que leio a frase motivacional que o Sr. Domingos lavra entre parênteses: Feliz é o homem que confia em Deus. E eu fico logo mais confiante e penso que no dia seguinte não vou ter lá o vosso papelinho. Mas não tenho fé suficiente. No dia seguinte lá está ele à minha espera. Houve um dia até que tinha dois. Um de cada lado do pára-brisas. Enternecedor. No entanto, o que tem que ser dito tem que ser dito. Cá vai:


NÃO PONHAM MAIS PORQUE EU NÃO VENDO.


Desistam. A compra do meu carro foi ponderada. Pensei muito, fiz contas, pesquisei e analisei durante cerca de meia-hora. E correu muito bem. Estou mesmo satisfeita. Não avaria, a Câmara Municipal de Lisboa ainda não o tentou recolher e tenho pago a prestação todos os meses. Por isso, é com pesar que vos informo que não contem comigo para a vossa demanda para comprar todos os popós da capital. Peguem nos vossos folhetos e enfiem-nos noutro vidro porque EU NÃO VENDO.


Cumprimentos,


Couve-Flor.

2 comentários:

  1. Em tempo de calor intenso dá jeito um papelinho para evitar colar a borracha ao vidro.

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