domingo, 10 de novembro de 2013

Aldeia alfacinha.



Em Lisboa ninguém mora sozinho.
Quem vive numa rua estreita de um qualquer bairro pombalino sabe certamente ao que me refiro.
Aqui, no meu primeiro andar com varandim para o estendal da roupa e para a rua mora uma aldeia.
Vejamos.
Moram o Nuno e a Ana. Casal simpático, do primeiro andar do outro lado da rua, que, durante anos, tiveram uma televisão maior que a minha. No princípio a nossa relação passava por, daqui para ali, se espreitar os golos dos jogos de futebol cada vez que o pessoal saltava no sofá cá de casa, batia na ligação do cabo e, com o impulso, a minha televisão ficava temporariamente sem sinal. O Nuno e a Ana topavam tudo. E até sorriam de volta.
Outras vezes estendíamos a roupa ou fumávamos um cigarro ao mesmo tempo e o sorriso foi sendo inevitável. Hoje em dia bebemos copos no restaurante aqui de baixo.
O dono do restaurante aqui de baixo é o Marco. O Marco às vezes não desliga o exaustor barulhento que só se ouve lá em cima no 4º andar. Durante a noite vem o inglês do prédio ao lado tocar a todas as campainhas e dizer palavrões em Inglês. Pensa que é o ar condicionado de alguém deste edifício. E é difícil fazê-lo entender que não. Mesmo que o ameacemos que vamos chamar a polícia para lhe explicar.
No dia seguinte toda a rua sabe. A gorduchinha ali do 4º andar do nº 10 que tem um vozeirão daqueles que fazem estremecer os prédios, coloca-se na sua varanda-tribuna e conta em discurso cheio de dramatismo a toda a gente.
Um dia, quando eu estendia a roupa e ainda era nova cá na rua perguntou-me o nome, a idade, o preço da casa (a esta eu não respondi) e de onde é que eu era. Embalada, quase lhe disse o meu n.º de contribuinte. Passados dez minutos, sentei-me no sofá e ouvi em tom de altifalante: “Chama-se Couve-Flor, tem 34 anos e é da Beira!”.
Estava a contar tudo à velhota do 3º andar do outro lado, que dizem que é bruxa e a quem eu sorrio sempre, não vá o diabo segredar-lhe coisas más sobre mim ao ouvido.
No prédio ali da esquina vivem os velhotes mais queridos cá da rua, que vão de mão dada apanhar o autocarro. Quando os encontro na paragem cumprimentam-me sempre. Um dia perguntaram-me o nome e disseram-me que é sempre bom conhecer os vizinhos.
Se formos pela rua abaixo, encontramos o prédio do galego, que passa cá só metade do ano, a tasca do Sr. Alexandre, a barbearia do Sr. Vicente e a loja das chaves que está agora em obras.
Graças à varanda do meu vizinho do 4º andar aqui do prédio, ficámos a saber que há um rapaz que lá para as 3 da manhã vem fumar um cigarro à janela completamente nu, que vivem mais abaixo duas raparigas que têm três gatos gordos e que o casal de antipáticos do 2º andar do n.º 42, anda sempre muito bem vestido, mas tem uma casa muito feia.
Poderia prosseguir e entrar aqui no prédio. Mas isso é outro texto.
Adoro sair à rua e dizer dez vezes “Bom-dia” em menos de cinco minutos.  Há dias em que isso não é tão bom. Se acordo com a síndrome não-me-falem-que-posso-morder pode até ser perigoso. Mas que é muito melhor do que passar despercebida e não fazer parte do burburinho lisboeta, ai isso é.

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