Lisboa é famosa pela luz. Há quem diga que é treta. Que são os olhos dos
apaixonados por esta cidade fatal que vêem tonalidades de um azul prodigioso a
levitar.
Para mim, confessa embeiçada pela capital, é verdade cientifica. A luz faz
festinhas ao rio e ele, para a fazer feliz, reflecte-a em modo celestial.
Mas esta coisa da luminosidade lisboeta é uma grande conversa e eu hoje
quero é falar dos dias farruscos.
Nestes dias, nada mexe mais comigo do que os bairros velhos a cheirar a mofo
e com ruas estreitas e sombrias. Quando chove, espicaçam a depressão poética
que guardo com tanto carinho nas profundezas de mim.
Há lá coisa mais fadista do que uma janela com um vidro rachado, a madeira
com a tinta descascada e uma cortina amarelada por trás, sob um céu cinzento?
Há lá solidão mais comovente que uma mola da roupa esquecida na corda no ar
pardo da manhã?
O vulgarmente conhecido como “dia feio” não o é tanto assim. Aceito que
pode não nos transportar para uma felicidade arrebatadora, mas a melancolia também
é da vida e, nestes dias, pode até ser uma coisa boa. Porque a culpa é do
tempo. E da luz.
Todo o lisboeta deveria aproveitar o dia desbotado para elevar o olhar e se
deixar esmagar pela beleza da cidade quando está triste. Em vez dos costumeiros
queixumes de que está frio, de que há poças de água em todo o lado, de que
estão encharcados e de consultarem a meteorologia para ver quando é que o sol
volta, apreciem. Atentem à cidade entregue à sua dor. Desfeita em lágrimas que
desaguam no rio baço, que, num consolo, corre mais veloz para lhe levar a
inquietação para longe.
Não é treta, não, Lisboa tem uma luz mágica... mesmo em dias cinzentos.
ResponderEliminarÉ verdade que Lisboa é mágica em qualquer tom.
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