domingo, 3 de novembro de 2013

Dias farruscos.



Lisboa é famosa pela luz. Há quem diga que é treta. Que são os olhos dos apaixonados por esta cidade fatal que vêem tonalidades de um azul prodigioso a levitar.
Para mim, confessa embeiçada pela capital, é verdade cientifica. A luz faz festinhas ao rio e ele, para a fazer feliz, reflecte-a em modo celestial.
Mas esta coisa da luminosidade lisboeta é uma grande conversa e eu hoje quero é falar dos dias farruscos.
Nestes dias, nada mexe mais comigo do que os bairros velhos a cheirar a mofo e com ruas estreitas e sombrias. Quando chove, espicaçam a depressão poética que guardo com tanto carinho nas profundezas de mim.
Há lá coisa mais fadista do que uma janela com um vidro rachado, a madeira com a tinta descascada e uma cortina amarelada por trás, sob um céu cinzento?
Há lá solidão mais comovente que uma mola da roupa esquecida na corda no ar pardo da manhã?
O vulgarmente conhecido como “dia feio” não o é tanto assim. Aceito que pode não nos transportar para uma felicidade arrebatadora, mas a melancolia também é da vida e, nestes dias, pode até ser uma coisa boa. Porque a culpa é do tempo. E da luz.
Todo o lisboeta deveria aproveitar o dia desbotado para elevar o olhar e se deixar esmagar pela beleza da cidade quando está triste. Em vez dos costumeiros queixumes de que está frio, de que há poças de água em todo o lado, de que estão encharcados e de consultarem a meteorologia para ver quando é que o sol volta, apreciem. Atentem à cidade entregue à sua dor. Desfeita em lágrimas que desaguam no rio baço, que, num consolo, corre mais veloz para lhe levar a inquietação para longe.

2 comentários:

  1. Não é treta, não, Lisboa tem uma luz mágica... mesmo em dias cinzentos.

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  2. É verdade que Lisboa é mágica em qualquer tom.

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