domingo, 2 de fevereiro de 2014

Lá no prédio tudo bem.

Quem mora na zona pombalina de Lisboa tem um tipo de familiar diferente dos outros. Chama-se vizinho.
Um vizinho de prédio antigo é como a tia Adelaide ou o primo Joaquim. É o vizinho Manuel e a vizinha Matilde.
Como em todas as famílias os laços são motivados pela emotividade. A vizinha Joana do 4.º dt.º é um docinho. Toma-me conta do gato quando vou de fim-de-semana e rega-me as flores. O filho-da-mãe, que não tem outro nome, do vizinho Formosindo do 3º esq.º, queima-me os lençóis no estendal com as beatas dos cigarros que atira da varanda.

Aqui no meu prédio também é assim. Conheço-os todos pelo nome e pelo andar. E todos eles me criam emoções diferentes.
Vejamos.

O Rui do 4º dt.º é um grande amigo. Dos bons-dias quando nos cruzávamos nas escadas, ao pézinho de salsa emprestada, foi um salto até nos sentarmos no sofá a ver a novela na casa ou de um ou do outro. Planeámos conquistar a rua e, para já, mandamos no prédio. Somos os administradores do condomínio.

Ali do outro lado da porta mora a vizinha Leonor. Uma senhora com 92 anos que mora sozinha e tem o filho lá para o Norte. De tempos a tempos apago-lhe as mensagens do telemóvel. Aquele postalinho a piscar no ecrã deixa-a confusa. Um dia tocou-me à campainha às 6 (seis!) da manhã porque não conseguia marcar o pin e tinha medo que o filho lhe tentasse ligar. Não sei se foi pelo meu olhar ou se pelo meu tom de voz, passados 2 dias bateu-me à porta e ofereceu-me uma toalha de renda feita por ela.
Agora, quando vem cá a casa espreita sempre para a minha mesa. E eu digo sempre que tenho a toalha a lavar.

No andar aqui de cima mora o vizinho João. O Vizinho João sofre de esquizofrenia. Mas toma sempre os comprimidos. Caí-lhe nas boas graças. Só gosta de mim. Os outros vizinhos não lhe vêm os dentes. Já eu tenho toda a sua gentileza. Trato-lhe do IRS, traduzo-lhe os avisos que veem na conta da EDP e explico-lhe que as campainhas não estão avariadas. Que é só impressão dele. Em troca recebo embalagens de bolacha Maria, pacotes de batatas fritas e elogios. A vizinha anda sempre muito elegante. Hoje está com um ar muito jovial.


Depois há a vizinha Zélia do 3º dt.º. Que é um caso especial. Nunca a vi. Só a sinto nas escadas a meio da noite. Deixa-me cartas na caixa do correio a relatar onde cai a água lá em casa quando chove. Com o detalhe da quantidade de pluviosidade em metros cúbicos. Quando vai à varanda tapa a cara para não a verem. Quando alguém tem festa em casa, vai ao contador da luz das escadas e desliga a luz. Não quer barulhos nem consumos excessivos de energia. Quando o vizinho Rui mudou para cá, sugeriu-lhe que, quando recebesse visitas, subisse uma de cada vez, para não a incomodar. E que tirasse os vasos da varanda porque, com o estado das placas tectónicas, um dia destes pode haver um terramoto e lá caem em cima de alguém.

Gosto de morar aqui. Gosto desta proximidade. O meu prédio é um mundo com 150 m2 de área, 5 andares e moradores ligeiramente alienados. Incluindo eu.


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