Quem mora na zona
pombalina de Lisboa tem um tipo de familiar diferente dos outros.
Chama-se vizinho.
Um vizinho de prédio
antigo é como a tia Adelaide ou o primo Joaquim. É o vizinho Manuel
e a vizinha Matilde.
Como em todas as famílias
os laços são motivados pela emotividade. A vizinha Joana do 4.º
dt.º é um docinho. Toma-me conta do gato quando vou de
fim-de-semana e rega-me as flores. O filho-da-mãe, que não tem
outro nome, do vizinho Formosindo do 3º esq.º, queima-me os lençóis
no estendal com as beatas dos cigarros que atira da varanda.
Aqui no meu prédio
também é assim. Conheço-os todos pelo nome e pelo andar. E todos
eles me criam emoções diferentes.
Vejamos.
O Rui do 4º dt.º é um
grande amigo. Dos bons-dias quando nos cruzávamos nas escadas, ao
pézinho de salsa emprestada, foi um salto até nos sentarmos no sofá
a ver a novela na casa ou de um ou do outro. Planeámos conquistar a
rua e, para já, mandamos no prédio. Somos os administradores do
condomínio.
Ali do outro lado da
porta mora a vizinha Leonor. Uma senhora com 92 anos que mora sozinha
e tem o filho lá para o Norte. De tempos a tempos apago-lhe as
mensagens do telemóvel. Aquele postalinho a piscar no ecrã deixa-a
confusa. Um dia tocou-me à campainha às 6 (seis!) da manhã porque
não conseguia marcar o pin e tinha medo que o filho lhe tentasse
ligar. Não sei se foi pelo meu olhar ou se pelo meu tom de voz,
passados 2 dias bateu-me à porta e ofereceu-me uma toalha de renda
feita por ela.
Agora, quando vem cá a
casa espreita sempre para a minha mesa. E eu digo sempre que tenho a
toalha a lavar.
No andar aqui de cima
mora o vizinho João. O Vizinho João sofre de esquizofrenia. Mas
toma sempre os comprimidos. Caí-lhe nas boas graças. Só gosta de
mim. Os outros vizinhos não lhe vêm os dentes. Já eu tenho toda a
sua gentileza. Trato-lhe do IRS, traduzo-lhe os avisos que veem na
conta da EDP e explico-lhe que as campainhas não estão avariadas.
Que é só impressão dele. Em troca recebo embalagens de bolacha
Maria, pacotes de batatas fritas e elogios. A vizinha anda sempre
muito elegante. Hoje está com um ar muito jovial.
Depois há a vizinha
Zélia do 3º dt.º. Que é um caso especial. Nunca a vi. Só a sinto
nas escadas a meio da noite. Deixa-me cartas na caixa do correio a
relatar onde cai a água lá em casa quando chove. Com o detalhe da
quantidade de pluviosidade em metros cúbicos. Quando vai à varanda
tapa a cara para não a verem. Quando alguém tem festa em casa, vai
ao contador da luz das escadas e desliga a luz. Não quer barulhos
nem consumos excessivos de energia. Quando o vizinho Rui mudou para
cá, sugeriu-lhe que, quando recebesse visitas, subisse uma de cada
vez, para não a incomodar. E que tirasse os vasos da varanda porque,
com o estado das placas tectónicas, um dia destes pode haver um
terramoto e lá caem em cima de alguém.
Gosto de morar aqui.
Gosto desta proximidade. O meu prédio é um mundo com 150 m2 de
área, 5 andares e moradores ligeiramente alienados. Incluindo eu.
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