Lisboa é uma cidade
finamente rendilhada. Em qualquer rua se podem encontrar verdadeiras
maravilhas de fino lavor criadas com cuidado pelas chuvas dos últimos
tempos. Vulgarmente conhecidas por buraco. Ora fundos, ora largos,
ora aos pares, ora isolados, é vê-los a multiplicarem-se em
hipóteses criativas pelo chão da capital.
O buraco no alcatrão
alfacinha já tem um lugar de destaque no património arquitectónico
da capital. É poesia esculpida que os automóveis lêem em braille.
Circula com precaução. Olha por onde vais. Da próxima vez, vais
daqui para a oficina.
E não me venham dizer
que é falta de manutenção por parte da Câmara Municipal. Que são
obras feitas à pressa. Que é esta mania tão portuguesa de remendar
sem consertar. A verdade é que tudo isto faz parte de um plano
camarário para que Lisboa tenha uma série de condutores de elite,
aptos a conduzir em qualquer tipo de terreno. Assim poupar-se-à
imenso em alcatrão.
Conduzir nestas ruas é
um verdadeiro treino.
Treinamos a memória.
Tinha a certeza que aquele buraco não estava ali ontem. E este
também não.
Treinamos a perícia.
Volante para a esquerda. Já para a direita. Curva suave. Em
ziguezaque. Em primeira a tentar sair daqui.
Treinamos os
conhecimentos morfológicos. Ali está uma cratera. Ali uma lagoa.
Acolá um charco. Aqui só pode ser o mar.
Treinamos a geometria.
Circulo. Círculo. Quadrado. Rectângulo. Quadrado. Círculo. Mala do
carro. Triângulo.
Tudo isto em prol de
qualidade de vida e da preservação de uma certa estética do
pavimento rodoviário.
Quase poderíamos afirmar
que esta é que é a verdadeira street art. A arte da rua. Do chão
da rua. Tenho até ouvido uns rumores que falam da contratação de
Vhils, esse fabuloso escultor de paredes, para detonar uns buraquinhos em forma de rostos na
via central da Avenida da Liberdade.
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