domingo, 23 de fevereiro de 2014

A outra.

Fotografia de André João Freitas.



Quando pensamos em ponte sobre o Tejo pensamos na Ponte 25 de Abril.
A ponte é um dos desenhos mais bonitos do horizonte de Lisboa. Soberba e altiva.

O Tejo é casado há mil anos com Lisboa na comunhão geral de bens. Ama a cidade de forma louca e transtornada. Mas tem a ponte por amante.
Era inevitável. Naquele Agosto de 66 em que a baptizaram com o inglório nome de Ponte Salazar, só quem fosse cego é que não via que aquilo ia dar em paixoneta. Vestida de vermelho, elegante e curvilínea, sempre em pose sensual. O Tejo não é de ferro. Mas a ponte é. E por mais que Lisboa a tente empurrar, ela ancorou para ficar. E assim nasceu o triângulo amoroso mais monumental de que há memória.
E se o Tejo nunca há-de pedir o divórcio a Lisboa, também é verdade que Lisboa nunca se há-de sentir completamente segura. A ponte é mesmo bela e não sai de cima do seu amante.
O normal, nestes casos, é que as pessoas tomem o partido da esposa traída. Porém, nesta história, as opiniões dividem-se em duas. Toda a gente adora ambas. E há até quem diga, que não poderiam viver uma sem a outra.

A ponte é adorada pelos lisboetas. De manhã envolta em neblina faz os corações sangrar de nostalgia. Ao longo do dia, os reflexos de luz animam o olho e a alma. O pôr-do-sol é um clássico do engate alfacinha. E à noite, vestida de luzes, faz-nos sorrir ou filosofar. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Não há recorte arquitectónico mais perfeito nas redondezas.

No Verão é indício de praia. Aos fins-de-semana é ver o alfacinha em romaria às praias da Costa para passar o dia a torrar ao sol. E, se é a ponte que os leva, é dela que eles reclamam. Que é sempre a mesma coisa. Bicha para entrar. Bicha para sair. Para o próximo domingo não estou para isto. Temos é que vir mais cedo. O que, inevitavelmente resultará numa repetição na semana a seguir.

Sobre ela escrevem-se canções. Fala-se do seu tabuleiro todas as manhãs na rádio. Escrevem-se poemas. Fala-se do aumento das portagens. Fotografam-se postais. Desenham-se quadros. Escrevem-se suicídios. Fala-se de acidentes na faixa da direita.

Nela não se fazem almoços patrocinados por detergentes. É uma ponte requintada. Há maratonas. Nada de manifestações, ditam os senhores que mandam, esquecidos de que agora se chama 25 de Abril. Quando muito uns buzinões.

E é com carinho que nos recebe quando regressamos a Lisboa. Vir de longe e vê-la do avião ou chegar por ela vindos do Sul, dá-nos a resposta esclarecida para aquela pergunta manhosa que às vezes nos fazemos: porque é que não me vou embora para o campo?

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