Abril é o mês dos
cheiros.
Na minha aldeia cheira a domingo de Ramos. Cheira a mimosas e aleluias a crescer onde lhes
aprouver. Cheira a domingo de Páscoa.
Em Lisboa cheira a sol a
bater suave no rio, cheira a flores a nascer nas varandas e a
humidade a sair das paredes.
Para mim cheira a
aniversários dos meus e a revolução.
Nasci depois do dia 25 de
Abril de 74. Cheguei a Lisboa 18 anos depois da revolução ter
acontecido. Um dos primeiros sítios onde fui foi ao Largo do Carmo.
Só para viver aquele dia na minha imaginação. Só porque aquele dia deve ter sido dos dias mais bonitos.
Por isso este Abril vou escrever
sobre a revolução.
Porque aconteceu em Lisboa. Porque me comove. Porque sim.
Porque aconteceu em Lisboa. Porque me comove. Porque sim.
Da iconografia de Abril,
o cravo vermelho é o meu favorito.
Nos canos das
espingardas, nas mãos dos manifestantes, na mão do menino do poster
pendurado aqui na sala, na lapela do casaco do meu pai.
Depois daquele dia, o
cravo vermelho nunca mais foi uma flor só simples ou só bonita.
Desde o sangue dos soldados mortos além mar para protegerem o
império a símbolo de esperança, o cravo vermelho correu mundo em
representação do país da revolução bonita.
Daquilo que eu gosto mais
é da espontaneidade do gesto que fez do cravo O Cravo.
Naquele dia 25 de Abril
de 1974, Celeste Caeiro não trabalhou. O patrão mandou-a embora
porque na rádio diziam que estava a acontecer uma revolução e era
melhor não abrir o estabelecimento. E que levasse o molho de cravos
que estava no armazém. Assim não murchavam.
E ela assim fez.
Celeste subia a Rua do
Carmo com o seu jardim debaixo do braço quando viu os chaimites e os
soldados. Não teve medo. Teve pena daqueles rapazes ali parados que
lhe deram os bons-dias e lhe disseram que estavam ali desde as três
da manhã. Para fazer a revolução. Para instaurar a democracia.
Democracia? O que seria?
Pediram-lhe cigarros.
Cigarros não tinha. Nunca fumou. Mas tinha cravos. Cravos vermelhos
em molho.
Soltou o primeiro e
estendeu-o ao soldado. O soldado pegou nele e enfiou-o no cano da
espingarda. Celeste deu mais cravos a mais soldados. Todos seguiram o
gesto do primeiro. Celeste ficou sem cravos antes de chegar a meio da
rua.
E mais cravos vermelhos
foram surgindo nas mãos das pessoas, nos canos das armas, vindos não
se sabe bem de onde. À medida que a revolução avançava, Lisboa
ficava florida de vermelho.
Mas o primeiro.
O primeiro veio da mão
da Celeste.
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