domingo, 11 de maio de 2014

A Brasileira do Chiado.

Ai Brasileira. Se o Pessoa se levantasse da cadeira, entrasse e pedisse uma bica, faria uma careta e diria: “Isto é um café da treta.”


 A Brasileira do Chiado, ali ao cimo da Rua Garrett é um pilar da identidade nacional. Tudo porque, segundo reza a lenda, ali o café se transformou em bica. E a bica faz o país acordar.
No ido ano de 1905 o estabelecimento abriu as suas portas e passou a vender o “genuíno café do Brasil”, passado no saco, depois por uma torneirinha que o despejava em bica para uma cafeteira, que de seguida ia para o tabuleiro, que o garçon levava para a mesa, onde finalmente era vertido na chávena e chegava aos lábios do cliente. Frio.
Logo começaram a haver queixas. O café começou a ir para a chávena directamente da bica. A escaldar. Daí até se pedir uma bica, foi um saltinho.


Entra alemão. Sai francês. Sai uma bica a 1 euro ali para o freguês.


Em 05 de Outubro de 1910 é fundada a República Portuguesa e com ela chega a liberdade de reunião e debate. A Brasileira fervilha de tertúlias intelectuais. Por ali se sentavam escritores, pintores, sonhadores, jornalistas, lunáticos e outros intelectuais da altura. Em Março de 1915 é publicado o primeiro dos dois números da revista Orpheu que foi planeada entre bicas e cigarros nas mesas do café.


É pr'ó turista e pr'à turista, beba um café deslavado e veja o quadro do artista.


Os artistas sentiam-se em casa. Fernando Pessoa era cliente habitual antes de se mudar para o Martinho da Arcada no Terreiro do Paço. Em 1925 as paredes d'A Brasileira passaram a exibir quadros dos grandes pintores da época. De Almada Negreiros a Eduardo Viana, todos tornaram aquele espaço num museu. Mais tarde, já na década de 70, juntaram-se a eles obras de Carlos Calvet e Eduardo Nery entre outros. Café de arte e de artistas, preserva o ar cosmopolita à moda antiga até aos dias de hoje.


Tantas fotografias causam-me desassossego.


Nos anos 80 foi colocada na esplanada uma estátua de Fernando Pessoa sentado numa mesa. Quem chega ao Chiado senta-se com o poeta e tira fotografias. Pacientemente Pessoa mantém uma expressão calma. Mas a timidez fala mais alto e os olhos dele nunca se arredam do chão.


É entrar e gastar. É a despachar.




Acho A Brasileira um café maravilhoso. É inevitável sentir a vibração da história quando se entra. Sinto-me especial quando me sento e peço um café. Mas logo se quebra a sensação quando o café não é a afamada bica. É antes um café entre o queimado e o aguado. Quando pedimos a conta é
sempre excessiva perante a qualidade do que nos serviram.
Sendo A Brasileira um postal de Lisboa deveria prezar essa imagem. Um bom café faz um bom café. Um bom café agrada ao turista e ao artista. Um bom café é que é uma bica.









Sem comentários:

Enviar um comentário