Ai Brasileira. Se o
Pessoa se levantasse da cadeira, entrasse e pedisse uma bica, faria
uma careta e diria: “Isto é um café da treta.”
A Brasileira do Chiado, ali ao cimo da Rua
Garrett é um pilar da identidade nacional. Tudo porque, segundo reza
a lenda, ali o café se transformou em bica. E a bica faz o país
acordar.
No ido ano de 1905 o estabelecimento abriu as suas
portas e passou a vender o “genuíno café do Brasil”, passado no
saco, depois por uma torneirinha que o despejava em bica para uma
cafeteira, que de seguida ia para o tabuleiro, que o garçon levava
para a mesa, onde finalmente era vertido na chávena e chegava aos
lábios do cliente. Frio.
Logo começaram a haver queixas. O café começou a
ir para a chávena directamente da bica. A escaldar. Daí até se
pedir uma bica, foi um saltinho.
Entra alemão. Sai francês. Sai uma bica a 1 euro ali para o
freguês.
Em 05 de Outubro de 1910 é fundada a República
Portuguesa e com ela chega a liberdade de reunião e debate. A
Brasileira fervilha de tertúlias intelectuais. Por ali se sentavam
escritores, pintores, sonhadores, jornalistas, lunáticos e outros
intelectuais da altura. Em Março de 1915 é publicado o primeiro dos
dois números da revista Orpheu que foi planeada entre bicas e
cigarros nas mesas do café.
É pr'ó turista e pr'à turista, beba um café
deslavado e veja o quadro do artista.
Os artistas sentiam-se em casa. Fernando Pessoa era
cliente habitual antes de se mudar para o Martinho da Arcada no
Terreiro do Paço. Em 1925 as paredes d'A Brasileira passaram a
exibir quadros dos grandes pintores da época. De Almada Negreiros a
Eduardo Viana, todos tornaram aquele espaço num museu. Mais tarde,
já na década de 70, juntaram-se a eles obras de Carlos Calvet e
Eduardo Nery entre outros. Café de arte e de artistas, preserva o ar
cosmopolita à moda antiga até aos dias de hoje.
Tantas fotografias causam-me desassossego.
Nos anos 80 foi colocada na esplanada uma estátua
de Fernando Pessoa sentado numa mesa. Quem chega ao Chiado senta-se
com o poeta e tira fotografias. Pacientemente Pessoa mantém uma
expressão calma. Mas a timidez fala mais alto e os olhos dele nunca
se arredam do chão.
É entrar e gastar. É a despachar.
Acho A Brasileira um café maravilhoso. É
inevitável sentir a vibração da história quando se entra.
Sinto-me especial quando me sento e peço um café. Mas logo se
quebra a sensação quando o café não é a afamada bica. É antes
um café entre o queimado e o aguado. Quando pedimos a conta é
sempre excessiva perante a qualidade do que nos
serviram.
Sendo A Brasileira um postal de Lisboa deveria
prezar essa imagem. Um bom café faz um bom café. Um bom café
agrada ao turista e ao artista. Um bom café é que é uma bica.
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