Este texto seria tardio
se o Verão não andasse a brincar às escondidas connosco e não
teimasse em não se deixar descobrir. Porém, como estamos
meteorologicamente no principio de Maio, é mesmo oportuno falar hoje
desta árvore maravilhosa que enche os céus das avenidas de nuvens
lilás. O Jacarandá.
Os Jacarandás de Lisboa
são mimosos.
Mimosos porque mimam os
olhos de quem passa com um tombar de flores frágeis, em cadência
lenta e delicada, sobre a calçada portuguesa.
Mimosos porque assim se
designam. Jacarandá-Mimoso.
Jacarandá é bonita
palavra que quase se canta e adoça a boca e soa a coisa vinda do
Brasil. E veio.
No começo do séc. XIX,
o Professor Avelar Brotero, trouxe-os de lá e aclimatizou-os no
Jardim Botânico da Ajuda. Depois espalhou-os pela cidade. E Lisboa,
cidade habituada a outras cores e outras flores, entranhou-os sem
estranhar. Pela Avenida D. Carlos I, no Largo do Carmo, no Campo
Pequeno é bom de ver, nesta altura do ano, essas flores arroxeadas
em forma de trompete a darem música de fundo à capital.
E não há poeta que
goste de rimar esta cidade que deixe escapar esta maravilha. É que o
Jacarandá põe-se mesmo a jeito para o poema. Desde a cor
melancólica, ao cair celestial, passando pelo prenúncio de que o
bom tempo está a chegar até às saudades que deixa quando
desaparece, a flor do Jacarandá é musa de fazer frente à Ofélia
do Pessoa.
Estas flores enlouquecem
sazonalmente e particularmente um grupo de lisboetas designado
comummente por automobilistas. É que o Jacaradá gosta tanto de
morar em Lisboa e só tem seis semanas do ano para o demonstrar que
envolve as suas flores de caramelo e cola-as às viaturas que estão
estacionadas sob os seus ramos. É uma tentativa de prolongar as suas
demonstrações de amor. O automobilista, quando chega depois de um
dia de trabalho, cansado, e se depara com a sua viatura coberta de
flores, leva aquilo muito a mal. É que um amor assim tão doce só
sai com muita esfregadela e baldes de água com sabão.
E o peão também se
queixa. É sempre difícil circular por uma calçada portuguesa que
quer ir
connosco. Agarradinhas à
sola dos sapatos, as flores acompanham-nos até ao infinito.
Mas nada disto é assim
tão importante. Porque daqui por uns dias a doçura vai embora.
Daqui a pouco já andamos todos a suspirar de saudades pintadas de
violeta e a cantarolar a música do Vitorino “Flor do Jacarandá,
cai leve no passeio, céu d'outro mar sonhado, chão de anilado
estio.”