domingo, 2 de novembro de 2014

1755.









Passam hoje 259 anos e um dia desde que Lisboa sofreu o terramoto dos terramotos.
Reza a lenda e dizem os entendidos que a terra tremeu numa magnitude de 9 na escala de Richter e que o abalo se fez sentir no norte de África e no sul de França. A verdade é que o senhor Richter só nasceu no ano de 1900, o que torna a medida exacta da catástrofe difícil de definir em escalas. Porém, não restem dúvidas, foi a desgraça das desgraças.

Era o Dia de Todos os Santos. Em cada casa católica e nos altares das igrejas, velas acesas invocavam o dia santo de guarda. O Outono já ia firme e estava frio. As lareiras estavam acesas já há algum tempo quando às nove e meia da manhã as entranhas da terra começaram a abanar como se fosse o fim dos tempos. A ira divina abatia sobre a cidade. Incêndios cresceram velozes e indomáveis pelas ruas estreitas da metrópole. Edifícios públicos, palácios, palacetes e igrejas, a nova Ópera acabada de inaugurar, o Paço da Ribeira, todos derrocaram espalhando o pânico e matando milhares de almas.

Ali na zona do Sacramento, desabaram o convento dos Trinitários e o das Carmelitas, que é como quem diz, caiu o Carmo e a Trindade. Cada um dos conventos com missa a decorrer, estavam cheios de fiéis que ficariam debaixo dos escombros daquelas enormes construções. Foi uma das tragédias da tragédia. Nunca mais a alma lisboeta se esqueceu de tal. E para que a memória se lembre, cair o Carmo e a Trindade será sempre sinónimo de coisa grave, de uma consequência inesperada, uma ironia da vida.

Depois do terramoto, o maremoto. Um tsunami entrou por Lisboa e afogou do Terreiro do Paço até à Estrela. Água que nunca mais parecia parar. Arrastando o que o terramoto poupara. Diz-se que uma sucessão de três ondas gigantes avançou do Tejo e foi até 250 metros de distância subindo a cidade. Quando chegou a Campo de Ourique parou. Ficou ali, vai não vai. Rés vés Campo de Ourique, como se usa ainda hoje dizer sempre que por milagre algo terrível não acontece.

A cidade demorou anos a recuperar. Lamberam-se as feridas. Enterraram-se os mortos e estancaram-se as epidemias causadas pela insalubridade que se espalhou endémica pela capital.

O terramoto foi o epicentro de novas formas de pensar. De Voltaire a Kant, serviu desde mote para poemas a questão existencial. Fúria divina ou da mãe natureza? A arquitectura deu um salto em busca de formas de construção preparadas para tremores de terra. O Marquês de Pombal tornar-se-ia o eterno maestro da cidade nova.

Na reconstrução, exploraram-se todos os recursos. Ali onde hoje é o Mercado do Forno do Tijolo, estava um cemitério mourisco cuja terra era argilosa. Faltando barro para fazer tijolos, ali estava aquele mesmo à mão de semear. Junto com a argila lá iam as ossadas dos mouros para o forno fazer tijolo para reconstruir a cidade.

Tudo isto se foi espalhando e contando ao longo das décadas. Pode ser tudo verdade. Pode ser tudo mentira. Há muitos factos que se perderam para fazer tijolo. Há muitas estórias que ficam rés vés da verdade. Mas se alguém negar o terramoto, caia já o Carmo e a Trindade.

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