Passam
hoje 259 anos e um dia desde que Lisboa sofreu o terramoto dos
terramotos.
Reza a
lenda e dizem os entendidos que a terra tremeu numa magnitude de 9 na
escala de Richter e que o abalo se fez sentir no norte de África e
no sul de França. A verdade é que o senhor Richter só nasceu no
ano de 1900, o que torna a medida exacta da catástrofe difícil de
definir em escalas. Porém, não restem dúvidas, foi a desgraça das
desgraças.
Era o
Dia de Todos os Santos. Em cada casa católica e nos altares das
igrejas, velas acesas invocavam o dia santo de guarda. O Outono já
ia firme e estava frio. As lareiras estavam acesas já há algum
tempo quando às nove e meia da manhã as entranhas da terra
começaram a abanar como se fosse o fim dos tempos. A ira divina
abatia sobre a cidade. Incêndios cresceram velozes e indomáveis
pelas ruas estreitas da metrópole. Edifícios públicos, palácios,
palacetes e igrejas, a nova Ópera acabada de inaugurar, o Paço da
Ribeira, todos derrocaram espalhando o pânico e matando milhares de
almas.
Ali na
zona do Sacramento, desabaram o convento dos Trinitários e o das
Carmelitas, que é como quem diz, caiu o Carmo e a Trindade. Cada um
dos conventos com missa a decorrer, estavam cheios de fiéis que
ficariam debaixo dos escombros daquelas enormes construções. Foi
uma das tragédias da tragédia. Nunca mais a alma lisboeta se
esqueceu de tal. E para que a memória se lembre, cair o Carmo e a
Trindade será sempre sinónimo de coisa grave, de uma consequência
inesperada, uma ironia da vida.
Depois
do terramoto, o maremoto. Um tsunami entrou por Lisboa e afogou do
Terreiro do Paço até à Estrela. Água que nunca mais parecia
parar. Arrastando o que o terramoto poupara. Diz-se que uma sucessão
de três ondas gigantes avançou do Tejo e foi até 250 metros de
distância subindo a cidade. Quando chegou a Campo de Ourique parou.
Ficou ali, vai não vai. Rés vés Campo de Ourique, como se usa
ainda hoje dizer sempre que por milagre algo terrível não acontece.
A
cidade demorou anos a recuperar. Lamberam-se as feridas.
Enterraram-se os mortos e estancaram-se as epidemias causadas pela
insalubridade que se espalhou endémica pela capital.
O
terramoto foi o epicentro de novas formas de pensar. De Voltaire a
Kant, serviu desde mote para poemas a questão existencial. Fúria
divina ou da mãe natureza? A arquitectura deu um salto em busca de
formas de construção preparadas para tremores de terra. O Marquês
de Pombal tornar-se-ia o eterno maestro da cidade nova.
Na
reconstrução, exploraram-se todos os recursos. Ali onde hoje é o
Mercado do Forno do Tijolo, estava um cemitério mourisco cuja terra
era argilosa. Faltando barro para fazer tijolos, ali estava aquele
mesmo à mão de semear. Junto com a argila lá iam as ossadas dos
mouros para o forno fazer tijolo para reconstruir a cidade.
Tudo
isto se foi espalhando e contando ao longo das décadas. Pode ser
tudo verdade. Pode ser tudo mentira. Há muitos factos que se
perderam para fazer tijolo. Há muitas estórias que ficam rés vés
da verdade. Mas se alguém negar o terramoto, caia já o Carmo e a
Trindade.
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