domingo, 9 de novembro de 2014

Coração ao Largo.


Todo o lisboeta que se preze, tem a sua praceta, a sua praça, o seu jardim ou o seu largo.
Eu, lisboeta por vocação, tenho o meu largo que fica mesmo aqui ao fundo da minha rua.

É o Largo do Conde-Barão. Sujo, feio, abandonado e degradado à vista desarmada. Encantador e cheio de vidas, visto pelos meus olhos.

Ali jazem os restos murais dos Armazéns do Conde-Barão. Em tempos loja popular de mercadorias acessíveis, que chegou a ter sucursais em todo o país. Hoje um esqueleto feio de cimento onde os pombos habitam e se colam cartazes sobrepostos que anunciam filmes ou concertos.

Ao lado, o Palácio do Conde-Barão do Alvito, que deu nome ao largo. O conde, que também era barão, ali morou até ao terramoto de 1755. Dia após o qual fez as suas malas e rumou com a família para zonas menos dadas a tremuras. O magnífico palácio cheio de janelas voltadas para o largo tem o telhado tombado e está muito degradado. Esconde umas traseiras com um terreno cheio de mato que em tempos deve ter sido um jardim daqueles mesmo formosos.

Todavia, no meio dos monos falecidos, todos os dias circula muita gente, desde aquelas horas em que a manhã ainda não acordou até áquelas horas em que a noite já se deitou sobre a cidade.

A Julinha dos jornais abre o quiosque antes das sete. Sempre animada e de sorriso fácil, dá os bons dias a quem passa e vende o jornal, a revista da moda e bilhetes da Carris.

A loja do Indiano abre mais tarde e vende um pouco de tudo. Das nove da manhã até à meia-noite, ali se vendem ovos, álcool e cigarros, arroz e fruta, álcool e cigarros, lâmpadas e panos de cozinha e álcool e cigarros.

Do outro lado, o Kebab Ali House que, dizem por aí, tem as melhores chamussas de Lisboa e eu quase que juro que é verdade.

Há figuras que cruzam o largo diariamente. Nos bancos de jardim com a madeira apodrecida está sempre o senhor do cumprimento. A qualquer hora que eu passe saúda-me. A qualquer hora que eu passe está sempre ali. Mesmo quando chego muito tarde a casa. Um dia digo-lhe que quando passo tardiamente é a sua presença embriagada ali no banco, que me faz sentir que já estou em casa.

Há o João. O João sabe tudo o que se passa no largo. Traz-me o gás a casa e pergunta-me sempre se eu estou bem. Ele sabe quais são as casas que estão para arrendar, de quem é o carro que está ali a tapar a passagem e se vai chover ou não.

Há o senhor da loja das chaves que passa o dia a mirar as meninas que passam. Há a louca que pisca o olho a qualquer um e que se apresenta como Miss Conde-Barão. A rapariga que passeia o cão com ar ensonado todas as manhãs. Os rapazes que ao fim da tarde bebem imperiais na esplanada.

Na altura das festas académicas enche-se o largo de capas pretas e eferreás banhados a cerveja. Até de madrugada hão-de cantar as modinhas todas do Quim Barreiros, gritar pelos seus clubes de futebol e vomitar todos os cantos do largo.

E eu. Todas as manhãs a correr para o carro. Todas as tardes a regressar vagarosa a casa. Aqui ao primeiro andar deste prédio pombalino, com entrada mesmo ali ao fundo da Rua da Boavista, no Largo do Conde-Barão.

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