Todo o
lisboeta que se preze, tem a sua praceta, a sua praça, o seu jardim
ou o seu largo.
Eu,
lisboeta por vocação, tenho o meu largo que fica mesmo aqui ao
fundo da minha rua.
É o
Largo do Conde-Barão. Sujo, feio, abandonado e degradado à vista
desarmada. Encantador e cheio de vidas, visto pelos meus olhos.
Ali
jazem os restos murais dos Armazéns do Conde-Barão. Em tempos loja
popular de mercadorias acessíveis, que chegou a ter sucursais em
todo o país. Hoje um esqueleto feio de cimento onde os pombos
habitam e se colam cartazes sobrepostos que anunciam filmes ou
concertos.
Ao
lado, o Palácio do Conde-Barão do Alvito, que deu nome ao largo. O
conde, que também era barão, ali morou até ao terramoto de 1755.
Dia após o qual fez as suas malas e rumou com a família para zonas
menos dadas a tremuras. O magnífico palácio cheio de janelas
voltadas para o largo tem o telhado tombado e está muito degradado.
Esconde umas traseiras com um terreno cheio de mato que em tempos
deve ter sido um jardim daqueles mesmo formosos.
Todavia,
no meio dos monos falecidos, todos os dias circula muita gente, desde
aquelas horas em que a manhã ainda não acordou até áquelas horas
em que a noite já se deitou sobre a cidade.
A
Julinha dos jornais abre o quiosque antes das sete. Sempre animada e
de sorriso fácil, dá os bons dias a quem passa e vende o jornal, a
revista da moda e bilhetes da Carris.
A loja
do Indiano abre mais tarde e vende um pouco de tudo. Das nove da
manhã até à meia-noite, ali se vendem ovos, álcool e cigarros,
arroz e fruta, álcool e cigarros, lâmpadas e panos de cozinha e
álcool e cigarros.
Do
outro lado, o Kebab Ali House que, dizem por aí, tem as melhores
chamussas de Lisboa e eu quase que juro que é verdade.
Há
figuras que cruzam o largo diariamente. Nos bancos de jardim com a
madeira apodrecida está sempre o senhor do cumprimento. A qualquer
hora que eu passe saúda-me. A qualquer hora que eu passe está
sempre ali. Mesmo quando chego muito tarde a casa. Um dia digo-lhe
que quando passo tardiamente é a sua presença embriagada ali no
banco, que me faz sentir que já estou em casa.
Há o
João. O João sabe tudo o que se passa no largo. Traz-me o gás a
casa e pergunta-me sempre se eu estou bem. Ele sabe quais são as
casas que estão para arrendar, de quem é o carro que está ali a
tapar a passagem e se vai chover ou não.
Há o
senhor da loja das chaves que passa o dia a mirar as meninas que
passam. Há a louca que pisca o olho a qualquer um e que se apresenta
como Miss Conde-Barão. A rapariga que passeia o cão com ar ensonado
todas as manhãs. Os rapazes que ao fim da tarde bebem imperiais na
esplanada.
Na
altura das festas académicas enche-se o largo de capas pretas e
eferreás banhados a cerveja. Até de madrugada hão-de cantar as
modinhas todas do Quim Barreiros, gritar pelos seus clubes de futebol
e vomitar todos os cantos do largo.
E eu.
Todas as manhãs a correr para o carro. Todas as tardes a regressar
vagarosa a casa. Aqui ao primeiro andar deste prédio pombalino, com
entrada mesmo ali ao fundo da Rua da Boavista, no Largo do
Conde-Barão.
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