domingo, 23 de novembro de 2014

Outono.






O Outono já chegou há uns tempos. Veio assim chegando de mansinho e, quando dei por ele, já andava de galochas e guarda-chuva em riste enfrentando chuvas grossas e ventos ensandecidos.
Lisboa inundou até aos joelhos. Verdadeiros rios correram pelas ruas fazendo o Tejo e o Presidente da Câmara corar de vergonha. As sarjetas, essas traidoras, estavam entupidas e não vazaram as águas que o céu mandou.

No meio desta agitação, quase nem via os detalhes de Lisboa que, sendo sempre belos, no Outono, ganham uma aura mais arrebatadora e propensa ao suspiro.

O clássico dos clássicos é o homem das castanhas. Com o seu carrinho parado à entrada da Rua Augusta podia ser um postal da cidade. Vende castanhas quentes e boas. E cheirosas. Um aroma quentinho que se espalha ao redor, entra pelas narinas e nos faz aconchegar o cachecol mais ao pescoço e sorrir. Compramos uma dúzia e ele oferece uma extra. Dantes vinham num canudo feito com folhas arrancadas das Páginas Amarelas, mas agora, vêm nuns saquinhos de papel que trazem outro agarrado para deitar as cascas. Muito práticos. Pouco dados a imagens românticas. Porém, nada nos pode tirar os dedos enfarruscados e o sabor fumado e doce. As castanhas assadas sabem a outono.

Com a mudança da hora começamos a sair do trabalho ao mesmo tempo que o anoitecer chega. Os candeeiros pombalinos acendem-se mais cedo. E é nesta altura que os voltamos a ver desde o Inverno passado. Enxergados cá de baixo, altivos no desamparo da sua solidão, parecem vigias atentos dos movimentos nocturnos da cidade. Iluminam-nos os passos e aquecem o caminho.

O Outono é um ilusionista de Lisboa. Da sua cartola parda tira imagens mágicas como a da chuva miudinha a cair sobre o Tejo vista das escadas do Cais das Colunas. Ou as nuvens a passarem ameaçando a Igreja da Graça. Ou os carris dos eléctricos a brilhar encaixados nos paralelos escuros. Ou as folhas das árvores a caírem em amarelo e castanho no chão do Jardim da Estrela. Ou os prédios a reflectirem-se no lioz molhado do chão do Terreiro do Paço. Ou as iluminações de Natal suspensas sobre as ruas, apagadas, à espera da abertura da sua época oficial.

O Outono é estação bonita que saca a nostalgia até das almas mais empedernidas. É por isso que chove. Lágrimas pela tristeza do fim do Verão e a chegada do frio. Lágrimas que aconchegam vistas deste sofá a caírem do lado de fora daquela janela.


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