Nos tempos do Bilhete de
Identidade, mais de meio milhão de portugueses tinham anotado, no campo correspondente
à naturalidade, Lisboa, São Sebastião da Pedreira. Os tempos são outros e o
Cartão de Cidadão não é dado a romantismo. Até a freguesia já mudou de nome em
2013. Agora tem o nome fino de Avenidas Novas. Os anos passam e mudam os
decretos que ajustam as coisas, mas a Maternidade Alfredo da Costa, segue sendo
o berço da naturalidade alfacinha.
Inaugurada em 31 de Maio de 1932,
abriu ao público no dia 5 de Dezembro do mesmo ano. Três dias depois nasceu o
primeiro bebé. Era uma obra moderna com lotação de 300 camas. Logo se tornou no
modelo de cuidados obstetrícios e neonatais em Portugal. Mas, acima de tudo, permitiu
que mulheres de todos os contextos económicos tivessem finalmente acesso a
partos em boas condições médicas e com higiene e conforto dignas. Até então, as
parturientes pobres de Lisboa estavam confinadas a uma ala escura e bafienta
com equipamentos velhos e danificados, no Hospital Real de São José.
Esta obra foi desejada e
reivindicada por um médico que morreu 22 anos antes da sua abertura. Manuel
Vicente Alfredo da Costa, nascido em Goa no ano de 1859, veio cedo para a metrópole
para estudar Medicina. Aluno extraordinário, médico notável, foi sempre muito
interventivo na sociedade científica da sua época. Estudos como “A protecção às
mulheres grávidas pobres” ou “Maternidade ou a antecâmara de um inferno
feminino?” são a evidência da sua inquietação com a maternidade no séc. XIX e
da sua demanda para edificar um espaço que lhe fosse exclusivamente dedicado. Alfredo
da Costa morreu aos 51 anos. Uns meses depois, a monarquia seguia o mesmo destino.
Quis a sorte e a fé da Marquesa
de Carnide que esta doasse no fim do séc. XIX um terreno ali para as bandas de
São Sebastião da Pedreira para que fosse erigida uma igreja em homenagem à
Nossa Senhora da Conceição. Logo após a revolução republicana, os terrenos
foram confiscados pelo Estado e em 1914, foi ali iniciada a construção da maternidade.
Com algumas dificuldades orçamentais, resolvidas por uma doação de 1500 contos
cuja origem nunca foi conhecida, a maternidade foi construída. O nome não poderia
homenagear outro que não fosse Alfredo da Costa.
A Maternidade Alfredo da Costa,
instituição sagrada da capital, teve ordem de encerramento pelo governo
anterior. Mas o lisboeta, que não leva a bem leis desalmadas e desprovidas de
razão, saiu à rua e apelou à providência, cautelar neste caso, para que tal desaire
não ocorresse. E conseguiu. Em Janeiro deste ano, sem oposição do governo actual,
foi decidida a sua manutenção. Estão até previstas obras de melhoramento.
Eu, que não sou de cá, também
devo favores à Alfredo da Costa. É que nasceram ali alguns dos alfacinhas da
minha vida. E que piada que eu lhes acho quando dizem com vaidade onde
nasceram. Como se pertencessem a uma casta especial. Essa casta que não veio de
Paris no bico de uma cegonha, mas ali da horta mais famosa de Lisboa.
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