Há alguns anos atrás
fui ver o Beck ao Coliseu. Naquele momento em que os artistas fazem o
charme ao público e dizem maravilhas da cidade o do país onde
actuam, o cantor disse que Lisboa era uma cidade muito bela, que
nunca tinha visto a roupa estendida nas varandas e que achava isso
encantador.
Não me deu novidade
nenhuma. Mas fez-me olhar melhor.
A roupa pendurada nos
estendais das janelas e varandas por essa Lisboa fora é realmente
uma prova de que o lisboeta consegue transformar uma necessidade
elementar em poesia.
Os franceses estendem a
roupa dentro das casas. Como resultado, ficam com a fama de que não
tomam banho. Mas, se calhar, é só o cheiro a roupa seca sem apanhar
ar ou sol. Se calhar.
Um belga disse-me uma vez
que achava pouco higiénico secar a roupa na rua.
Pouco higiénico?
Há lá limpeza maior do
que a roupa estendida à luz do dia a levar com o ventinho que sopra
só para a enxugar?
Pode até haver, mas eu,
do alto do meu estendal digo já que não.
A roupa estendida nos
estendais lisboetas perfuma as ruas de Skip, Omo e Ariel. E com a
variedade de amaciadores que há no mercado amacia as dores que
alguns odores antipáticos nos trazem.
A roupa estendida nos
estendais lisboetas trata de colorir as ruas. Parece que a cidade
está sempre em festa. Sempre com bandeiras penduradas a animar os
dias. Sempre a agitar alegria.
A roupa estendida nos
estendais lisboetas é conversa entre vizinhas. Fiz agora uma máquina
e vou estender já que eles dizem que para amanhã há chuva. Aquela
tipa dali da frente deixa a roupa dois e três dias no estendal, deve
ter cá uma casa arrumadinha. Deve deve. E olha só como aquela
estendeu o lençol. Ele há gente que não percebe nada disto.
Pouco higiénico?
Ele há gente que não
percebe nada disto. Que Lisboa veste roupa lavada todos os dias. Que
cheira a limpo e asseado.
Que é com esmero e
vaidade que o lisboeta prende os seus melhores trajos nos arames e
cordas esticados para alindar a capital. Com molas.