Penso Lisboa como mulher
fatal com um fado danado e misterioso. De faca na liga e cabelos
longos e escuros. Veste-se sempre de vermelho vivo, com o xaile negro
seguro nos ombros e fuma cigarros inclinada sobre o Tejo, enquanto
lhe sussurra ao ouvido que ele será sempre o seu único amado.
Lisboa só pode ser do
género feminino. Se eu fosse um homem, assobiava-lhe sempre que ela
passasse por mim a movimentar as ancas devagar e a mostrar o decote.
Sendo mulher, só posso sentir uma pontinha de inveja e admiração
pelos corações que ela parte e pelas palpitações que provoca nos
poetas.
Cada colina é uma curva.
Lisboa não é magricela nem seca. É mulher de carnes rijas, roliça
e bamboleante. De colina em colina sente-se-lhe o perfume das
especiarias que marinheiros apaixonados lhe trouxeram do lado de lá do mar, só
para lhe agradar.
O Tejo, o marido, está
sempre de olho atento, não vá algum fedelho armar-se em esperto e
passar-lhe a mão. Mas é tarefa impossível. Lisboa pisca o olho a
todos. É de natureza livre e não entende porque não há-de
retribuir a quem a cobiça.
Os poetas enlouquecem
embrulhados em palavras vãs.
Os marinheiros afogam-se
em lágrimas.
Os fadistas cortam os
pulsos e sangram em dó menor.
Os condutores do
Eléctrico descarrilam pelas colinas abaixo.
Os vendedores de
castanhas oferecem-nas de borla.
Todos desorientados por
uma simples piscadela de olhos da cidade. Todos iludidos por uma
hipótese amorosa que o Tejo impede. Porque o Tejo. Ai o Tejo. O Tejo
foi o primeiro a chegar e não há amor como o primeiro. Diz-se por
aí.
E neste caso é verdade.
E neste caso é verdade.
Lisboa é uma mulher
porque nasceu assim. Lisboa é uma mulher porque é sinuosa e
caprichosa. Cheia de detalhes e dramas. Cheia de fado. Sonhadora e
saudosista. Luminosa e sombria. Alegre e triste. Tudo ao mesmo tempo.
Lisboa é uma mulher. Fatal, já agora.
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