domingo, 23 de março de 2014

Ai Lisboa.

Penso Lisboa como mulher fatal com um fado danado e misterioso. De faca na liga e cabelos longos e escuros. Veste-se sempre de vermelho vivo, com o xaile negro seguro nos ombros e fuma cigarros inclinada sobre o Tejo, enquanto lhe sussurra ao ouvido que ele será sempre o seu único amado.

Lisboa só pode ser do género feminino. Se eu fosse um homem, assobiava-lhe sempre que ela passasse por mim a movimentar as ancas devagar e a mostrar o decote. Sendo mulher, só posso sentir uma pontinha de inveja e admiração pelos corações que ela parte e pelas palpitações que provoca nos poetas.

Cada colina é uma curva. Lisboa não é magricela nem seca. É mulher de carnes rijas, roliça e bamboleante. De colina em colina sente-se-lhe o perfume das especiarias que marinheiros apaixonados lhe trouxeram do lado de lá do mar, só para lhe agradar.

O Tejo, o marido, está sempre de olho atento, não vá algum fedelho armar-se em esperto e passar-lhe a mão. Mas é tarefa impossível. Lisboa pisca o olho a todos. É de natureza livre e não entende porque não há-de retribuir a quem a cobiça.

Os poetas enlouquecem embrulhados em palavras vãs.

Os marinheiros afogam-se em lágrimas.

Os fadistas cortam os pulsos e sangram em dó menor.

Os condutores do Eléctrico descarrilam pelas colinas abaixo.

Os vendedores de castanhas oferecem-nas de borla.

Todos desorientados por uma simples piscadela de olhos da cidade. Todos iludidos por uma hipótese amorosa que o Tejo impede. Porque o Tejo. Ai o Tejo. O Tejo foi o primeiro a chegar e não há amor como o primeiro. Diz-se por aí.
E neste caso é verdade.

Lisboa é uma mulher porque nasceu assim. Lisboa é uma mulher porque é sinuosa e caprichosa. Cheia de detalhes e dramas. Cheia de fado. Sonhadora e saudosista. Luminosa e sombria. Alegre e triste. Tudo ao mesmo tempo.

Lisboa é uma mulher. Fatal, já agora.



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