domingo, 15 de março de 2015

A obra.


Há em Lisboa uma igreja onde os deuses nacionais descansam as ossadas até ao fim dos tempos. O Panteão Nacional é a coisa mais parecida que temos com o Olimpo. Por lá habitam as almas de duas mulheres divinas, Amália e Sophia, e de uns quantos homens celestes, de Garrett a Aquilino, de Humberto Delgado a alguns Presidentes da República, e, um dia destes, o Eusébio.
Por ordem da Infanta D. Maria se lançou a primeira pedra da igreja em honra de Santa Engrácia de Saragoça. Corria o ano de 1568. Pensava a infanta que a obra seria rápida, coisa para uns cem anos. Porém, uma história de amor meteu-se no caminho e a construção atrasou. As obras de Santa Engrácia duraram 398 anos.
Em 1631 Simão Pires Solis apaixonou-se perdidamente por uma noviça do Convento de Santa Clara, que ficava mesmo ao lado das obras da dita igreja. Todos os dias, mal a noite caía, lá ia ele encontrar-se com a sua amada. Tal era o enamoramento, que resolveram fugir. Mas o destino é malicioso e na noite combinada para a fuga, à mesma hora em que Simão se dirigia ao convento para ir buscar a sua prometida alguém entrava na Igreja de Santa Engrácia, quase construída, e roubava o sacrário com as hóstias. O ladrão sumiu-se e Simão apareceu. Logo ali foi rodeado pelo povo, convencido de que era ele o larápio. E nem o facto do pobre jovem não ter os objectos roubados com ele persuadiu os seus acusadores. Foi preso e condenado às fogueiras da Santa Inquisição.
Quando o levaram para cumprir a pena, passou mais uma última vez em frente ao convento, onde a noviça chorava a perda do seu amor. Olhou para a Igreja de Santa Engrácia e gritou: “Morro inocente. É tão certo eu estar inocente como é certo aquelas obras nunca se acabarem.”  
Passados uns tempos, quase com a inauguração marcada, a cúpula da igreja ruiu. As obras recomeçaram. Depois veio o terramoto e a igreja tombou. As obras recomeçaram. E foram demorando. Serviu, entretanto, de armazém de armamento do Arsenal do Exército e de fábrica de sapatos até ao século XX. As obras foram concluídas por ordem expressa do Governo em 1966, sendo-lhe atribuído o estatuto de Panteão Nacional.
Verdade ou lenda, é certo que a igreja demorou muito mais tempo do que o esperado a ser erguida. Talvez a história não tenha chegado assim tão bem contada aos nossos tempos. Talvez Simão tenha amaldiçoado todas as obras do país. É que obras de Santa Engrácia há muitas.

2 comentários:

  1. Sugestão de correção : "à mesma hora" e não "há mesma hora"

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    1. Super-sugestão. É no que dá rever o texto à pressa. Muito grata.

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