Era uma vez um reino situado à
beira de um rio. Os habitantes do reino eram serpentes e a sua rainha era um
ser de extrema beleza chamado Ofiusa.
Ofiusa era meia serpente e meia
mulher. Bela e sedutora, com voz de menina indefesa, mas má como as cobras.
Quem se atrevesse a pôr o pé no seu território, ficaria para sempre seu
prisioneiro. Por essa razão, os marinheiros mantinham-se sempre ao largo, traçando
as suas rotas cuidadosamente por águas longe do reino das serpentes.
Calhou que Ulisses, nas suas
aquáticas demandas, fosse aportar a tal lugar. E logo Ofiusa por ele se
apaixonou e resgatou-o para seu amante. Prometeu-lhe o lugar de consorte.
Desposá-lo-ia e enchê-lo-ia de glória e poder. Levou-o para o seu palácio no
lugar mais alto do reino e banqueteou-o de ouro e pedrarias.
Mas Ulisses tinha a sua Penélope à espera em
Ítaca e não a trocaria por todas as riquezas do mundo. Resolveu fingir.
Esperaria que a sua tripulação reestabelecesse as forças, encheria o porão do
navio de mantimentos e zarpariam para nunca mais voltar.
Ofiusa viveu dias de felicidade.
Tinha um homem bravo e garboso ao seu lado e um reino temido e temeroso. Que
mais uma rainha pode desejar? Ulisses, prudente, tratou de a bem cuidar.
Elogiava a sua formosura e mimava-a com desvelo.
Mas a sorte não se força e o dia
chegou em que Ulisses conseguiu escapar. Quando Ofiusa acordou com os primeiros
raios de sol, viu o lugar ao seu lado na cama vazio e teve um mau
pressentimento. Correu para a janela e assistiu ao barco de Ulisses a
desaparecer no horizonte.
Numa fúria cega Ofiusa estendeu
os seus braços até ao rio invocando todas as suas forças. Cega de raiva,
destruiu tudo à sua passagem. Serpenteou as terras, criando sulcos tão
profundos que deles nasceram sete colinas. Mas ficou com os braços a boiarem
sobre as águas, vendo o seu amado cada vez mais distante até desaparecer.
Depois disto, sofreu para o resto
dos seus dias. Só e louca a vaguear pelos quartos do palácio. De tanta solidão
magicou uma história de amor. Na sua cabeça, Ulisses continuava a seu lado.
Juntos criavam um reino ainda mais poderoso e famoso. Davam-lhe o nome de
Ulisseia.
Se esta história é certa não se
sabe. Sabe-se que o nome do reino se estendeu pelos séculos. Sofreu as erosões das
línguas dos povos que o invadiram.
Olissipo.
Olissipona.
Lisboa.
E se Ofiusa não viveu feliz para
sempre com o seu Ulisses, deveu-se talvez ao facto de nesta narrativa ela ser a
rainha má. Mas até as rainhas más fazem coisas boas. Deu-nos as colinas e este
nome tão bonito e bom de dizer: Lisboa.
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