domingo, 1 de março de 2015

Nome de rua.




Lisboa tem ruas com nomes de pessoas importantes, praças nomeadas por feitos históricos, avenidas consagradas a princípios da humanidade. Designações pomposas, que honram gente importante e grandes feitos históricos. Enchem o ouvido e perpetuam na memória as tais obras valerosas que da lei da morte libertam de que nos falava Camões.

Porém há ruas com nomes menos inchados e barrocos. Nomes que traduzem o que a rua foi ou é na sua existência quotidiana, banal ou dramática, maravilhosa ou arrepiante.

A Rua do Poço dos Negros é um destes casos em que o trivial de certa época a marca e denomina para sempre. Começa no Largo Dr. António de Sousa Macedo, ao fundo da Calçada do Combro e acaba na Avenida D. Carlos I. É hoje uma rua simpática, com drogarias, alfarrabistas, lojas do chinês, antiquários, um grupo teatral, restaurantes, uma mestre pasteleira francesa, cafés, quinquilharias, mercearias e uma loja de chá.

Mas tempos houve em que lhe foi dado um destino perverso e infame que lhe ficaria para sempre marcado no nome. Tudo por ordem de El-Rei D. Manuel I, o Venturoso, Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia e pragmático solucionador de problemas de saúde pública.

No século XVI, a próspera Lisboa deparava-se com um incómodo problema de difícil solução. Onde depositar os escravos que chegavam de África para servir quando morriam? Se nem sequer eram filhos de Deus não mereciam as honras da vala comum dos cemitérios.

Alguns eram lançados na praia, ficando à mercê dos cães e outros bichos aguardando a putrefacção ou uma onda que os levasse. Outros, eram depositados na lixeira junto da Cruz da Pedra a Santa Catarina, hoje Rua Marechal de Saldanha, ali quem vai para o Adamastor, tornando a Lisboa daqueles tempos ainda mais insalubre e malcheirosa.

Urgia resolver este caso. Foi então que D. Manuel I, resolveu tratar ele próprio do assunto metendo mãos à obra. Pegou numa pena e redigiu uma carta. Que se escavasse um poço de grande profundidade, em local conveniente para se deitarem os tais escravos. De tempos a tempos que se jogasse sobre ele cal virgem para ajudar à decomposição dos corpos.



Assim decretou, assim se cumpriu. Na Rua da Horta Navia, abriu-se o profundo buraco que passou a ser o depósito de que Lisboa tanto precisava. E o poço dos negros deu o nome à rua até aos nossos dias.


Por felizes evoluções da sociedade, hoje, quando lhe dizemos o nome, nem sequer associamos ao seu passado macabro. O exacto local do poço caiu no esquecimento. Mas fica gravado na toponímia lisboeta, como se as vergonhas do passado também merecessem ser lembradas para sempre.

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