Lisboa tem ruas com nomes de
pessoas importantes, praças nomeadas por feitos históricos, avenidas consagradas
a princípios da humanidade. Designações pomposas, que honram gente importante e
grandes feitos históricos. Enchem o ouvido e perpetuam na memória as tais obras
valerosas que da lei da morte libertam de que nos falava Camões.
Porém há ruas com nomes menos
inchados e barrocos. Nomes que traduzem o que a rua foi ou é na sua existência
quotidiana, banal ou dramática, maravilhosa ou arrepiante.
A Rua do Poço dos Negros é um
destes casos em que o trivial de certa época a marca e denomina para sempre.
Começa no Largo Dr. António de Sousa Macedo, ao fundo da Calçada do Combro e
acaba na Avenida D. Carlos I. É hoje uma rua simpática, com drogarias,
alfarrabistas, lojas do chinês, antiquários, um grupo teatral, restaurantes,
uma mestre pasteleira francesa, cafés, quinquilharias, mercearias e uma loja de
chá.
Mas tempos houve em que lhe foi
dado um destino perverso e infame que lhe ficaria para sempre marcado no nome.
Tudo por ordem de El-Rei D. Manuel I, o Venturoso, Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e
Índia e pragmático solucionador de problemas de saúde pública.
No século XVI, a próspera Lisboa deparava-se com um incómodo problema
de difícil solução. Onde depositar os escravos que chegavam de África para
servir quando morriam? Se nem sequer eram filhos de Deus não mereciam as honras
da vala comum dos cemitérios.
Alguns eram lançados na praia, ficando à mercê dos cães e outros bichos
aguardando a putrefacção ou uma onda que os levasse. Outros, eram depositados
na lixeira junto da Cruz da Pedra a Santa Catarina, hoje Rua Marechal de
Saldanha, ali quem vai para o Adamastor, tornando a Lisboa daqueles tempos
ainda mais insalubre e malcheirosa.
Urgia resolver este caso. Foi então que D. Manuel I, resolveu tratar
ele próprio do assunto metendo mãos à obra. Pegou numa pena e redigiu uma
carta. Que se escavasse um poço de grande profundidade, em local conveniente
para se deitarem os tais escravos. De tempos a tempos que se jogasse sobre ele
cal virgem para ajudar à decomposição dos corpos.
Assim decretou, assim se cumpriu. Na Rua da Horta Navia, abriu-se o
profundo buraco que passou a ser o depósito de que Lisboa tanto precisava. E o
poço dos negros deu o nome à rua até aos nossos dias.
Por felizes evoluções da sociedade, hoje, quando lhe dizemos o nome,
nem sequer associamos ao seu passado macabro. O exacto local do poço caiu no
esquecimento. Mas fica gravado na toponímia lisboeta, como se as vergonhas do
passado também merecessem ser lembradas para sempre.
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